Críticas


DRUK – MAIS UMA RODADA

De: THOMAS VINTERBERG
Com: MADS MIKKELSEN, THOMAS BO LARSEN, MAGNUS MILLANG
11.03.2021
Por Luiz Baez
Apolo e Dionísio no reino da Dinamarca

No final dos anos 1990, quando a câmera digital ainda passava longe dos padrões estilísticos da indústria cinematográfica, suas potencialidades se desvelavam nas mãos de um jovem dinamarquês. Com uma filmadora caseira na mão e uma premissa na cabeça, Thomas Vinterberg adentrou os aposentos da classe alta escandinava para expor sua hipocrisia, transformando em linguagem as “limitações” tecnológicas. Em vez de apesar de, justamente por causa dos ruídos em forma de pixel e da instabilidade de suas imagens, Festa de família (Festen, 1998) aproximou o distante e distanciou o próximo, em um jogo dialético. Aos poucos, porém, o radicalismo experimental do realizador deu lugar a lampejos de autoria, e suas produções posteriores oscilaram entre gêneros consolidados - como romance histórico (Longe deste insensato mundo) e ação (Kursk - A última missão). É neste momento que emerge Druk - Mais uma rodada (Druk, 2020).

Filiando-se de imediato ao pensamento de Søren Kierkegaard, com uma citação antecedendo ao primeiro plano, Druk - como toda a carreira de Vinterberg - autoriza também outras leituras, igualmente filosóficas. A arte, é importante lembrar, não obedece à vontade de seu criador e tampouco a qualquer tentativa de captura por um predicado único. Neste sentido, preservando a abertura da obra, um paralelo com O nascimento da tragédia, de Friedrich Nietzsche, talvez ajude a formular questões pertinentes. Em especial, a ideia do necessário encontro entre impulsos apolíneos e dionisíacos guarda evidências não só narrativas, nas personagens, mas sobretudo estéticas, nas escolhas do diretor dinamarquês. Se Dionísio ou Baco, o deus do vinho, remete à experiência da desmedida, da ruptura, Apolo, o deus da luz, diz respeito à razão e ao controle. Caso não conjugadas as duas forças, esta última pode levar à ausência de movimento, estado em que se descobre o protagonista.

Enfadada a sua turma, o professor secundarista Martin (Mads Mikkelsen) resolve tomar parte em um experimento social para reverter a situação. Manter um constante nível de embriaguez: tal hipótese, defendida pelo psiquiatra norueguês Finn Skårderud, promete devolver-lhe a autoconfiança e a alegria ausentes há muito de sua vida. Seria mesmo a bebida responsável por semelhantes mudanças? Ou, antes, deve entender-se alegoricamente a força de Dionísio? Nesta lógica, frequentes cartelas interrompem sequências para mostrar a porcentagem de álcool no sangue das personagens; em uma delas, o sentimento de liberdade ignora a presença do número zero. Um alto índice, por sua vez, pode ser sintoma da deflagração de um destruidor descontrole - característica de Baco quando sozinho.

Em Nietzsche, de fato, esses impulsos inserem-se em um terreno específico, o das artes. Neste, por exemplo, o escritor estadunidense Ernest Hemingway conjugava o domínio apolíneo da técnica com o descentramento dionisíaco catalisado pelos destilados, revela diálogo. Ora, quanto ao cineasta dinamarquês, qual contributo oferecem tais categorias? À primeira vista, o formato mais clássico de Druk parece afastá-lo do jovem Vinterberg. Estaria ele, assim como Martin, fadado a uma estaticidade aprisionante? Falharia o filme em conjugar Apolo e Dionísio? A possibilidade de uma resposta positiva desfaz-se na sequência de encerramento. Aqui se poderia escrever sobre o choque entre um rigor formal e uma revigorante vitalidade, ou sobre o resgate contemporâneo de um afeto de catarse, mas palavras não substituem a experiência sensível. Que elas sirvam, portanto, como um convite.

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário