Críticas


O TIGRE BRANCO

De: RAMIN BAHRANI
Com: ADARSH GOURAV, RAJKUMMAR RAO, PRIYANKA CHOPRA
05.04.2021
Por Euller Felix
Uma fábula sobre a meritocracia

A ideia de meritocracia diz que todos são capazes de atingir o mesmo objetivo, seja ele qual for, desde que haja um esforço para isso. Há diversas críticas a esse pensamento: uma das mais contundentes é a de que, para as pessoas poderem concorrer umas com as outras, sendo premiado com o sucesso aquele que mais se esforçou, é preciso que todos os competidores estejam em um patamar de igualdade.

No caminho de uma reflexão sobre a "meritocracia" como um discurso difundido e reproduzido na sociedade, temos "O Tigre Branco", novo filme de Ramin Bahrani que entrou recentemente no catálogo da Netflix. Ele adapta o livro de mesmo nome do escritor indiano Aravind Adiga e conta a história de como Balram Hawai (Adarsh Gourav) passou de motorista particular para um empresário de sucesso. O que temos é a história relatada pelo próprio Balram em um email endereçado ao primeiro-ministro chinês, que está em visita à Índia. Diante disso, já sabemos que o final daquela história só pode ser a chegada dele em uma posição privilegiada. O que nos resta é saber como isso aconteceu. O tom do filme vai mudando conforme avança: não só a relação entre o motorista e o patrão ficando cada vez mais violenta, como Balram percebendo que não é tão importante como julga ser.

Todos os acontecimentos do filme estão lá para nos lembrar de qual é a verdadeira posição que um servo tem na sociedade capitalista, a de servir. Nada mais é prometido, todos ali sabem qual é seu lugar e o que precisam fazer para manterem as coisas como estão. O que vemos são as últimas consequências da ideia de que o sonho do explorado é tornar-se um explorador. Balram busca a todo momento um lugar no mundo do seu patrão e por isso acaba recusando toda a sua história e individualidade. Para servir e aproximar-se dele, abandona sua família e coloca em risco a própria liberdade para desfrutar um pouco da vida que seus empregadores têm.

A figura de Balram e o que ele representa merecem comentários à parte. Ele parece encarnar a meritocracia na sua forma mais voraz e agressiva. Na busca de conseguir concretizar os seus interesses, ele não se importa de passar por cima de outras pessoas, menos ainda se fizerem parte da mesma classe social que a sua. É um trabalhador que teve todas as chances negadas por conta de sua origem, e consegue, por meio da astúcia, da observação, da corrupção e do crime, alcançar os seus objetivos.

Além de todo o abismo existente entre uma classe e outra, “O Tigre Branco” também demonstra toda a amoralidade dos ricos para se manterem no poder, dedicando uma boa parte da narrativa às ações de corrupção entre os governantes do país e os empresários. Todas essas cenas parecem, de certa forma, ensinar a Balram o que é preciso para subir na vida dentro da realidade em que ele vive. E no final vemos que ele aprendeu e utilizou muito bem esses ensinamentos.

Quando termina, parece que Ramin Bahrani buscou fazer um filme sobre o quanto o capitalismo é predatório, sobre como as pessoas estão dispostas a tudo para se manter ou alcançar o poder. Talvez por isso conseguimos notar uma certa semelhança entre "O Tigre Branco" e o premiado "Parasita", de Bong Jon-hoo. As duas histórias têm como tema a entrada do indivíduo de uma classe inferior em uma classe mais alta, não importando quais são as consequências ou se precisam ferir ou prejudicar alguém no meio do caminho para alcançar seus objetivos.



Euller Felix é cientista social, pesquisador e crítico de cinema. Foi coorganizador do livro "O Melhor do Terror dos anos 80" publicado pela Editora Skript.

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