Críticas


LAMB

De: VALDIMAR JÓHANNSSON
Com: NOOMI RAPACE, HILMIR SNÆR GUÐNASON, BJÖRN HLYNUR HARALDSSON
23.10.2021
Por Maria Caú
Uma fábula sobre luto e maternidade

Talvez a classificação de Lamb simplesmente como um filme de terror seja um pouco apressada (ou um incômodo spoiler). A maior parte do andamento da narrativa, que traz como protagonistas um casal de pastores islandeses que vivem isolados com suas ovelhas, se funda como uma fantasia de inspiração no folclore nórdico e que flerta com alguns dos códigos do terror sem assumi-lo inteiramente até seu desfecho. Certos elementos da vida cotidiana de María e Ingvar podem soar aterrorizantes para o espectador brasileiro urbano, embora sejam banais dado o contexto: o isolamento da sua propriedade na montanha, o trabalho solitário do pastoreio, o fato de que o verão islandês é formado por dias intermináveis, em que custa muito a escurecer (enquanto no inverno ocorre o oposto). Nesse contexto, quando uma das ovelhas do casal dá à luz um bebê incomum, que os dois resolvem criar como filho, espera-se uma narrativa de sustos e tensão. O andamento do filme, no entanto, segue no caminho da investigação alegórica sobre luto e maternidade, construindo de maneira inventiva uma fábula sobre o abismo que se funda entre os membros de um casal que passou pelo trauma da perda de um filho. As relações familiares em Lamb guardam a marca de culpas e possíveis acusações nunca expressas em palavras após uma tragédia de enormes proporções, sentida por homem e mulher de formas diferentes, mas igualmente arrasadoras.

Apoiados em fotografia e direção de arte bastante competentes, o pequeno elenco expressa em calculados gestos todos os conflitos submersos entre os membros da família. Os efeitos digitais são um acerto tão grande que é difícil divisar, em diversas sequências, a extensão de sua utilização. Há cenas que retratam nascimentos de cordeiros e elaboram justamente sobre a beleza grotesca de um parto. Como nos demais aspectos da narrativa, tudo parece a um só tempo natural e bizarro, um híbrido instigante, que prende a atenção, mas não chega a comover, justamente como a criatura cujo nascimento surpreendente num celeiro (o local em que, afinal, a mãe mais celebrada da cristandade – uma outra Maria - também se abrigou para parir seu filho) reorganiza de modo algo violento as relações daquele mundo.

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