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O PREFEITO DE FERRO – 16º Festival de Cinema Italiano Sessão Retrospectiva

De: PASQUALE SQUITERI
Com: GIULIANO GEMMA, CLAUDIA CARDINALE, FRANCISCO RABAL, RIK BATTAGLIA
22.11.2021
Por Luiz Fernando Gallego
Um poder fascista pode destruir a Máfia?

O PREFEITO DE FERRO é um filme de 1977 que pode interessar ao público brasileiro. Está disponível até 05 de dezembro no 16º Festival de Cinema Italiano, em streaming, na plataforma Petra Belas Artes. Dirigido pelo não muito conhecido Pasquale Squiteri (1978-2017), segundo marido de Claudia Cardinale, tem a atriz num pequeno papel, provavelmente criado para que ela desse força à divulgação do filme em seu período de estrelato (menos de dez anos depois de ter estado em Era uma vez no Oeste, de Sergio Leone, e cinco anos antes da presença (também não muito extensa) em Fitzcarraldo, de Werner Herzog).

Mas o astro do filme é mesmo Giulianno Gemma (1938-2013) cuja carreira havia deslanchado nos primeiros “western spaghetti” e que, mais tarde, passou a estar em alguns filmes de diretores de mais prestígio, como Valerio Zurlini (O Deserto dos Tártaros, 1976) e Damiano Damiani – aliás, um dos filmes em que foi dirigido por Damiani, Advertência, de 1980, também está no 16º Festival e pode interessar, ainda que não atinja o mesmo resultado de outro filme “político/sobre a Máfia” do mesmo diretor, Confissões de um Comissário de Polícia, de 1971.

O interesse que O PREFEITO DE FERRO pode ter - afinal, uma produção correta de narrativa bem tradicional e bem fotografada, a cores, em excelente cópia restaurada - está em tristes paralelos que a situação exposta numa Sicília de 1926 nos desperta com a criminalidade miliciana e a desmesurada corrupção nas altas esferas políticas, duas coisas não necessariamente desconectadas (pelo contrário) de nossa realidade.

Pode-se problematizar os métodos radicais do prefeito Mori do título "de Ferro" (e que existiu realmente) no esforço de reduzir, ou mesmo tentar eliminar, o poder da Máfia, maior do que o poder do Estado na Palermo de então (e não só daquele tempo). Afinal, não é preciso repetir que, onde o poder do Estado falha, poderes “paralelos” grassam, não só intimidando a população carente, mas também cooptando muita gente para o crime, já que o assistencialismo hipócrita de mafiosos (ou milicianos) entrega migalhas a um povo privado de quase todo recurso e cidadania e que acaba agradecido e aliado.

Os métodos do prefeito são radicais de fato: ele chega a dizer (no filme, não sei se na vida real) que é necessário reagir do mesmo modo que mafiosos agem – métodos que são totalmente ilegais. Não faltam advertências de funcionários legalistas, leais ao Prefeito, de que ele age nas margens - ou mesmo além das margens - legais. Seja como for (e é assim mesmo, "de qualquer jeito", que deve ser? – cabe a questão), o filme mostra a efetividade inicial de suas ações contra bandos (no plural mesmo) de canalhas, psicopatas, bandidos no pior entendimento da palavra, que intimidam e exploram a população que se submete à “lei do silêncio”. O Prefeito repete que a primeira coisa a ser vencida é o medo dos que sabem dos crimes e sabem quem são os criminosos - e em algum momento ele até vai ser bem sucedido ao conseguir testemunhas que podem depor em processos, processos que, até então, não davam em nada “por falta de provas”. Não sem antes ter que constatar o massacre covarde de toda uma família - da qual um dos membros deu pistas ao Prefeito sobre quem deveria ser alvo de sua ação inicial contra os mafiosos.

Ele aparece até mesmo como um "justiceiro", matando um bandido que o desafia e, lógico que, para a moral do filme, o bandido atira primeiro. Mas é também quase previsível que ele vai esbarrar em muralhas de impotência quando as coisas criminosas se ligam a deputados ou mesmo Ministros de Estado. Para não falar da Igreja local, interessada em terras e negócios escusos, para dizer o mínimo.

No filme, Mori aparece como um administrador dedicado e sem temor que apenas - e mal - tolera o fascismo já poderoso na Itália da década de 1920, evitando mesmo usar o "broche" da águia romana da antiguidade revivida por Mussolini - mas consta que o personagem real foi membro do partido fascista, aderente e entusiasmado, embora crítico e atuante contra a bandidagem mafiosa.

A invasão dos “carabinieri” em vielas estreitas de cidadelas sicilianas não deixa de nos lembrar os becos das nossas favelas onde as forças policiais entram atirando em bandidos ou inocentes, e dane-se quem for atingido. Não estou assumindo que o filme apoie o fascismo, pelo contrário, o personagem é recriado com uma postura não-submissa ao poder dos mais dedicados fascistas, ministros ou parlamentares, o que não tive como saber se foi assim mesmo, mas o que importa ao espectador e ao crítico é a opção do roteiro (baseado em um livro sobre o real Cesare Mori) ao recriar seu personagem sob uma lente favorável na postura que mantém de certo distanciamento em relação ao poder fascista. Poder este que, entretanto, não deixa de nomeá-lo como Prefeito da Sicília, sabendo de outras atitudes anteriores dele (em outras localidades) contra a Máfia. Ou seja, há que se perceber uma relação ambígua do personagem entre o lado certo da moral anti-máfia e sua ligação com o fascismo – e mais do que isto: com os seus métodos? Destaque-se que o roteiro é de Ugo Pirro, famoso por dois filmes, vale a brincadeira com um dos títulos, acima de qualquer suspeita: O Jardim dos Finzi-Contini e... Investigação sobre um Cidadão acima de qualquer suspeita

ATENÇÃO: SPOILER

O personagem secundário de Claudia Cardinale dá o tom pessimista em relação a tudo que o Prefeito conseguiu até esbarrar em poderes superiores ao seu: ela é uma pobre miserável com um filho pequeno, bastardo, criança ainda submetida a trabalho infantil praticamente escravo (no que nos pareceu uma mina de enxofre). Desencantada com tudo, máfia, Poder Oficial etc, ela havia pedido, em algum momento, ao Prefeito que, se ele quisesse realmente ajudá-la, que levasse o filho dela para Roma, para longe daquela terra submetida a tanta miséria por todos os poderes, oficiais e oficiosos. A (boa) cena final mostra a mãe meio escondida, em lágrimas, vendo de longe o menino embarcando no mesmo trem em que o Prefeito que, agora “promovido” ao Senado, vai ter que deixar a região onde desmantelou quadrilhas... mas só até certo ponto.



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