Críticas


O HOMEM IDEAL

De: MARIA SCHRADER
Com: MAREN EGGERT, DAN STEVENS, SANDRA HÜLLER
25.12.2021
Por Susana Schild
Humano robotizado ou robô humanizado, eis a questão...

Alma está longe da tribo de mulheres solitárias na faixa dos 40, em busca de um match nas redes sociais. Ela é do time das apaixonadas pelo trabalho, no caso, arqueologia. E ser uma profissional brilhante é ou não é uma forma de viver feliz para sempre? Em nome desse objetivo, ela aceita a “missão” de viver três semanas com um robô formatado para fazê-la feliz. Dia sim, outro também.

Em 2013, no excelente Ela (direção de Spike Jonze, Oscar de roteiro original), Joaquin Phoenix ia ao nirvana só de ouvir a voz de Samantha, o primeiro sistema operacional “com consciência” do planeta. Nove anos depois, a diretora e experiente atriz Maria Schrader (estrela do hoje clássico Aimée e Jaguar), a partir de um conto de Emma Braslavsky, deu um upgrade no princípio de alma gêmea. E caprichou nos atributos: Tom é lindo, educado, inteligente - consegue citar poesias e fazer contas incríveis sem maquininha de calcular! - acorda antes da cara metade, arruma a casa, prepara um lauto café da manhã. À noite, quando a “patroa” chega exausta do trabalho, a banheira está cheia, e ele lá, feliz, pétalas de rosa pelo chão, taça de champanhe na mão. Quem não quer? Alma. Sim, tem de tudo neste mundo, até pessoas (e não vale a restrição a um gênero) que desdenham da perfeição. Com sinceridade: um defeitinho até que pega bem. Em tese. Porque, na era das relações líquidas, do ‘é proibido me contrariar’, ligações, digamos, estáveis, são uma questão de sorte. Ou melhor, de tempo. Geralmente, bem curto.

Neste terceiro longa, a realizadora alemã, acerta no tom e na fluência para propor uma elegante desconstrução de clichês sobre afetos contemporâneos com sede em Berlim. Pelo menos na tela, a excelente dupla de atores Maren Eggert (Alma) e Dan Stevens (Tom) se merece. Ela, desglamurizada, ele, com pequenos tiques mecânicos. Ok, Tom não é humano, lamenta Alma. Ou: Não viveram um passado comum. Bobagem. A imaginação constrói. Pequenos ajustes? Tranquilo, principalmente com Tom na direção. Não demora e Alma parece reconhecer que poucos homens apresentam a empatia demonstrada pelos algoritmos em ação. Deu defeito? Manda para o técnico. Potencial erótico? Nada a reclamar. Se o chamado “real” está cheio de “humanos” robóticos, por que não dar chance a um robô humanizado? Vai que dá certo...por um período. E tem ainda o progresso da ciência. Por sua ironia e charme dos paradoxos, O Homem Ideal já é pré-candidato na categoria de filme internacional do Oscar 2022.

(Texto publicado em O Globo, 25/12/2021)

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Outros comentários
    5269
  • Concy Pinto
    12.01.2022 às 15:39

    Muito boa sua crítica. Num mundo que os afetos têm contrapartidas até materiais, por que não sonhar com um robô humanizado perfeito? Os atores são fantásticos. Amei esse filme.