Especiais


25ª MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES

26.01.2022
Por Daniel Schenker
Leia a cobertura da mostra 2022

A Mostra de Cinema de Tiradentes chega à sua vigésima-quinta edição dando não só uma prova de longevidade como de resistência em relação a um panorama cada vez mais adverso. Viabilizar eventos culturais no contexto brasileiro é uma empreitada para os mais tenazes, mas, no caso dessa Mostra, a surpresa aumenta, considerando a fidelidade a um perfil bastante específico e desvinculado, em grande parte, das habituais e impositivas leis do mercado. Trata-se de um festival centrado no cinema brasileiro autoral realizado por diretores dotados de vigor na experimentação, que trabalham sem maiores preocupações em fazer concessões ao gosto médio de uma ampla faixa de espectadores. Se por um lado a necessidade de dialogar com o público, de trazê-lo de volta para as salas para assistir a filmes que não sejam os blockbusters de plantão, se revela fundamental nesse momento, por outro é preciso garantir espaço para projetos cinematográficas mais radicais.

Nessa edição comemorativa, a Mostra de Tiradentes reúne filmes que fizeram parte da sua história. Vários podem ser mencionados. “Crítico” (2008) traz à tona o período em que Kleber Mendonça Filho trabalhou como crítico de cinema antes de abraçar primordialmente a atividade de diretor e proporciona, por meio de uma série de entrevistas, uma reflexão acerca da antiga profissão. “Histórias que o nosso cinema (não) contava” (2017), de Fernanda Pessoa, é uma colagem de cenas de exemplares da pornochanchada, gênero de enorme alcance popular durante a ditadura, proposta já sugerida no título que evoca “Histórias que nossas babás (não) contavam” (1979), de Oswaldo de Oliveira. “Os dias com ele” (2012) é um documentário em que a diretora se coloca como personagem de seu próprio filme, vertente valorizada em meio a produção contemporânea. Maria Clara Escobar promove uma conjugação entre uma fase da vida brasileira (a ditadura) e lacunas no convívio com o seu pai (Carlos Henrique Escobar), que insiste em tomar as rédeas do filme ao dizer para a filha como ela deve conduzi-lo. “Baronesa” (2017), de Juliana Antunes, insere o espectador diante de espaços fechados de uma comunidade de Belo Horizonte e descortina, aos poucos, o cotidiano sofrido de mulheres. Muitos outros merecem destaque: “Sábado à noite” (2007), de Ivo Lopes Araújo, “Estrada para Ythaca” (2010), de Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diógenes e Ricardo Pretti, “Batguano” (2014), de Tavinho Teixeira, “Teobaldo morto, Romeu exilado” (2015), de Rodrigo de Oliveira, “O quadrado de Joana” (2006), de Tiago Mata Machado, “Vento de Valls” (2013), de Pablo Lobato, e “A fuga, a raiva, a dança, a bunda, a calma, a vida da Mulher Gorila” (2011), de Felipe Bragança, filme vencedor da segunda edição da Mostra Aurora quando integrei o júri dessa parte competitiva do festival destinada a trabalhos de cineastas ainda em início de trajetória, com não mais de três produções no currículo.

Além das mostras que compõem o festival, há sempre um artista homenageado por suas contribuições ao cinema. Esse ano quem recebeu o tributo é o cineasta Adirley Queirós, representado por filmes como o curta-metragem “Rap, o canto da Ceilândia” (2006) e de longas como “A cidade é uma só?” (2013), Branco sai, preto fica (2015) – marcado, com originalidade, pelo entrelaçamento entre períodos temporais distintos e pela articulação entre realidade e ficção – e “Era uma vez Brasília” (2017). Entre os novos filmes da programação desse ano estão “Os primeiros soldados” (2021), de Rodrigo de Oliveira, “O dia da posse” (2021), de Allan Ribeiro, “Germino pétalas no asfalto” (2021), de Coraci Ruiz e Julio Matos (os três na Mostra Olhos Livres), “Diário dentro da noite” (2021), de Chico Diaz (Mostra Cinema em Transição), “Cafi” (2021), de Lírio Ferreira e Natara Ney, “Capitu e o capítulo” (2021), de Julio Bressane (ambos na Mostra Autorias), “Os dragões” (2021), de Gustavo Spolidoro (Mostra Jovem) e “Tempo Ruy” (2021), de Adilson Mendes (Sessão Debate). O festival também reserva espaço privilegiado para a difusão do curta-metragem, realçando a relevância desse formato, muitas vezes erroneamente avaliado como um estágio inicial pelo qual diversos cineastas passam antes de começarem a realizar seus longas. Cabe chamar atenção para alguns trabalhos – como “Margaridinha, uma criança antiga” (2021), de Caroline Chamuska e Carla Beck (Mostra Praça), “Rua Ataleia” (2021), de André Novais de Oliveira (Mostra Cinema em Transição), e “Uma paciência selvagem me trouxe até aqui” (2021), de Érica Sarmet (Mostra Foco), entre tantos outros.

Devido ao avanço da variante ômicron, a Mostra, que aconteceria de maneira presencial (com parte da programação disponibilizada virtualmente), migrou, de modo integral, para o online. É o segundo ano em que o evento ocorre de forma remota por causa da pandemia do coronavírus e claro que há perdas no que se refere à intensidade dos encontros, evidenciada, em especial, nos calorosos debates no cinema do Centro Cultural Yves Alves. Seja como for, o mais importante é a continuidade de uma iniciativa destemida como a desse festival – coordenado por Raquel Hallak, Quintino Vargas e Fernanda Hallak, diretores da Universo Produção – em meio a uma conjuntura tão desfavorável quanto a atual.

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