Críticas


O GOLPISTA DO TINDER

De: FELICITY MORRIS
17.02.2022
Por Marcelo Janot
Nos oferece farta matéria-prima para reflexões sobre os “amores líquidos” e a fragilidade dos laços humanos no mundo moderno.

O documentário O GOLPISTA DO TINDER (Netflix) não traz nada de novo e diferente em termos de formato: ciente da história incrível que tinha em mãos, a diretora Felicity Morris parece ter percebido que tudo o que precisava fazer era dar a ele um ritmo que o filme teria se fosse um thriller policial hollywoodiano (que aliás não deve demorar a ser feito - palpites para o elenco?).

O relato é ancorado em três das muitas vítimas de um israelense que se fazia passar por bilionário usando o pseudônimo de Simon Leviev. Este recorte permite que o espectador possa conhecer um pouco mais delas, e do que as levaram a se aproximarem do sujeito. Como Leviev não dá entrevistas para o doc, o conhecemos através do olhar das moças, das mensagens e vídeos que trocavam, e também a partir da investigação conduzida por um jornal norueguês, o primeiro a desmascará-lo publicamente.

Junto com o formato de reportagem investigativa que docs desse tipo habitualmente trazem, “O Golpista do Tinder” nos oferece farta matéria-prima para reflexões sobre os “amores líquidos” e a fragilidade dos laços humanos no mundo moderno a que o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman se referia. O filme evidencia que aplicativos de paquera como o Tinder são o nascedouro ideal para esse tipo de relacionamento, onde, no caso das vítimas de Leviev, o que as atrai é basicamente o status social dele, que se apresenta como um bilionário. Após o “match” virtual, quando o relacionamento passa para o campo “real”, ele confirma todas as expectativas delas as levando para passeios de jatinho, hospedagens paradisíacas, festas sem fim como “rei do camarote” etc.

A névoa de luxo e riqueza de ostentação capitalista é capaz de turvar a visão delas de tal forma que não percebem o que é evidente desde o início: como é fútil e desinteressante esse sujeito que as engana com juras de amor baratas e falsas promessas. Nós, espectadores, tentamos entender o que leva alguém a querer se relacionar, seja como “príncipe encantado”, seja como “melhor amigo”, com pessoas tão absolutamente sem nenhum atrativo que não o financeiro como Leviev. Talvez Bauman explique. Mas o que choca, neste caso, é justamente o simbolismo trazido pelo capitalismo autofágico evidenciado no modus operandi de Leviev, em que os golpes se retroalimentam do dinheiro das vítimas, que passa a servir para atrair outras.

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