Críticas


CANNES 2022: “COUPEZ!”

De: Michel Hazanavicius
Com: Romain Duris, Bérénice Bejo, Grégory Gradebois
18.05.2022
Por Marcelo Janot
Filme de abertura de Cannes vale pela força simbólica de uma cena

Escalado como filme de abertura (fora de competição) do 75o Festival de Cannes, “Coupez!”, do diretor francês Michel Hazanavicius, é uma refilmagem de um filme de zumbi “Z” japonês, “Plano-sequência dos Mortos” (2017), produção amadora de US$ 25 mil que rendeu US$ 30 milhões no mundo inteiro. Hazanavicius, com o perdão do trocadilho, tem o vício de fazer filmes que remetem ao cinema, seja na forma de homenagem ao cinema mudo (“O Artista”), revisitando ficcionalmente os bastidores godardianos (“O Formidável”) ou como pastiche de James Bond (os dois filmes “Agente 117”). Nem sempre dá certo, como nesse caso, em que o terror gore cômico, tirado do seu contexto japonês, em boa parte das quase 2 horas de projeção bate na tela apenas como uma grande bobagem, nem sempre divertida, por mais que se possa valorizar a originalidade dessa reflexão metalinguística.

A trama começa com a filmagem de um plano-sequência de meia hora em que o diretor e o elenco são atacados por integrantes da equipe que se tornam zumbis. Em seguida, um flashback ajuda a entender que o diretor (Romain Duris) foi contratado por uma exótica senhorinha japonesa para refilmar uma produção de lá, e acompanharmos os turbulentos preparativos até o momento em que, no terceiro ato, a filmagem de fato começa e revemos a primeira meia hora pelo viés dos bastidores.

O que “Coupez!” oferece de melhor é justamente a percepção de como o ofício cinematográfico se reinventa, no momento em que tenta se reerguer pós-pandemia e com a interferência cada vez mais forte do streaming. O choque cultural e geracional permite algumas boas sacadas, e a melhor delas vem no fim: a equipe precisa improvisar uma grua para o enquadramento final do plano-sequência, então a solução é formar uma “grua humana”. Com muito esforço, sobem uns nos ombros dos outros, formado uma pirâmide humana, apenas para dar vazão à obsessão criativa do diretor. É quando a chamada “magia do cinema”, expressão que se tornou um dos clichês mais batidos, mostra que ainda é capaz de nos pegar de surpresa de vez em quando, porque há naquelas imagens uma força simbólica descomunal que nos fala muito sobre uma arte em permanente reconstrução. Mesmo que o elemento da grua humana já fizesse parte do filme japonês de 2017, Hazanavicius parece ter percebido que em 2022 ele bateria na tela de forma mais pungente. Acertou.

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