Mesmo para um fã de David Lynch, Império dos Sonhos é um teste. Sim, o filme dura três horas e a condução faz Cidade dos Sonhos parecer convencional como um filme de Frank Capra. Mas a questão nem é essa. Não é que seja um filme cansativo. O que pega é o alto teor experimental, que força o espectador às perguntas: onde se conseguiu chegar? Valeu a pena o descarte de todas as regras?
O interesse pelo cinema de David Lynch levará muitos a responder que sim. Que o filme os leva a lugares nunca antes visitados, ao menos não de forma consciente. Isso não deixa de ser verdade, já que aqui, ao contrário do que ocorria em Cidade dos Sonhos, não é nem questão de haver um quebra-cabeça a ser montado. Não há. As peças não necessariamente se encaixam. De fato, a lógica do filme é de sonho, pesadelo, delírio, tormento (e, sim, molecagem, já que a coisa não é assim tão séria também). Uma hora Laura Dern está aqui, no instante seguinte acolá, ali adiante aqui de novo, mas já é outra pessoa (nem vou me preocupar muito em tentar estabelecer uma sinopse, já que o filme mal chega a fazê-lo). E some-se a isso a exploração da textura de imagem das câmeras digitais, que ele aqui utiliza pela primeira vez num longa, e sem nenhuma timidez, manipulando e sobrepondo o que elas registraram para construir na edição e na pós-produção um filme que não estava lá na hora da filmagem.
Ou seja, de fato, Império dos Sonhos é uma experiência única. A questão é que não é necessariamente uma experiência melhor do que os filmes em que Lynch chutava o balde com menos força, por assim dizer. Textura, atmosfera, causar reações fortes de medo, repulsa ou emoção no espectador com um golpe repentino de imagem e som, isso é o que ele vem buscando desde sempre e no que seu cinema se concentra já há algum tempo. E, curiosamente, logo no filme em que abraça essa atitude da forma mais corajosa, as sensações baixam de tom. Logo no filme em que, a julgar pelo descarte de todas as convenções, se anunciava como o mais sensorial de todos, impera uma certa frieza. O filme não arrebata, não faz pular da cadeira. Talvez justo por não estabelecer nem um arremedo de lugar confortável de onde o espectador ache que vai poder observá-lo, o filme assume o risco de jamais tirar o chão de baixo dos pés do público. O Lynch que seus fãs amam é o que os joga do céu para o inferno num piscar de olhos. E Império dos Sonhos talvez passe tempo demais no limbo.
# IMPÉRIO DOS SONHOS (Inland Empire)
EUA, França, Polônia, 2006
Direção, Roteiro, Fotografia e Montagem: DAVID LYNCH
Música: DEAN HURLEY
Elenco: LAURA DERN, JEREMY IRONS, JUSTIN THEROUX
Duração: 172 minutos