Críticas


CANNES 2022: “LE OTTO MONTAGNE”

De: Felix van Groeningen e Charlotte Vandermeersch
Com: Luca Marinelli, Alessandro Borghi, Filippo Timi
19.05.2022
Por Marcelo Janot
Uma experiência transcendentalista sobre as dificuldades de se construir e solidificar laços de amizade

“Le Otto Montagne” (“As Oito Montanhas”) é o novo filme do casal de diretores belgas Felix van Groeningen e Charlotte Vandermeersch, que haviam trabalhado juntos na parte criativa de “Alabama Monroe” (ele dirigindo, ela colaborando no roteiro). Baseado em um best seller premiado do escritor italiano Paolo Cognetti, reúne elementos característicos dos romances de formação, que acompanham o processo de amadurecimento de personagens na passagem da juventude para a vida adulta. Mas o que acaba sobressaindo é a atmosfera filosófica transcendentalista na relação dos personagens com o ambiente natural que os cerca, e que remete à obra de Henry David Thoreau.

Esse elemento permite que o filme abra mão de uma estrutura clássica narrativa, já que o roteiro não se estrutura em função de acontecimentos marcantes que possibilitem “viradas” na história. É narrado em primeira pessoa por Pietro (Luca Marinelli) desde que ele, ainda menino, deixava a agitação urbana de Turim para passar férias com os pais num vilarejo remoto nos Alpes Italianos. Remoto mesmo, pois conta com 14 habitantes, entre eles o solitário Bruno (Alessandro Borghi). Os dois desenvolvem uma amizade que se fortalece a cada verão.

Quando os pais de Pietro sugerem levar Bruno para a Turim oferecendo pagar seus estudos e hospedá-lo, Pietro perde a chance de ganhar um “irmão” e também o amigo, pois o pai de Bruno não só recusa a oferta como o leva consigo para trabalharem juntos como operários em outra cidade. Muitos anos depois, já adultos, os dois se reencontram e os acontecimentos em “Le Otto Montagne” seguem no ritmo contemplativo da vida no local, fazendo com que o espectador também seja levado a exercer sua capacidade de desacelerar para poder fruir adequadamente o que o filme de duas horas e meia tem a oferecer.

A música do sueco Daniel Norgren, que também vive em meio às montanhas e se inspira nelas (confira seu álbum “The Green Stone”, de 2015), se divide entre canções melancólicas que ajudam no processo de imersão e temas instrumentais minimalistas à base de sintetizadores que produzem efeito inverso, sugerindo uma expectativa de tensão que não se confirma em diversas cenas, causando estranhamento. É uma maneira de reforçar que a intenção dos realizadores, ao contar uma história sobre as dificuldades de se construir e solidificar laços de amizade, é jamais derrapar em qualquer tipo de sentimentalismo.

Para o sucesso do resultado também tem papel fundamental a dupla de protagonistas, Luca Marinelli e Alessandro Borghi, que dão vida brilhantemente a personagens introspectivos que se comunicam e expressam seus sentimentos através de pequenos gestos, olhares e poucas palavras. Uma bela surpresa para aquecer o início da competição em Cannes.

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