Críticas


AS BESTAS

De: Rodrigo Sorogoyen
Com: Denis Ménochet, Marina Foïs, Luis Zahera
21.01.2024
Por Marcelo Janot
Uma abordagem pouco habitual da complexa xenofobia europeia

O preconceito sofrido por imigrantes numa Europa em constante ebulição por causa da xenofobia é um tema que vem sendo tratado com frequência no cinema. Pelo menos quatro filmes exibidos em Cannes este ano chamaram a atenção pela abordagem oferecida, entre eles o thriller psicológico “As Bestas”, do diretor espanhol Rodrigo Sorogoyen, exibido fora da competição. Ele trata de outro tipo de imigrante – nesse caso, de europeus dentro do próprio continente, que não estão fugindo de guerras ou do desemprego em seus países.

O casal francês de meia idade formado por Antoine (Denis Ménochet) e Olga (Marina Foïs) larga a vida urbana para se estabelecer num pequeno povoado na Galícia, região autônoma dentro da Espanha. Eles têm um projeto ecológico, sem fins lucrativos, de reformar as casas abandonadas do local para atrair as novas gerações para uma vida rural autossustentável, baseada na agricultura. Mas o que seria um ideal paradisíaco se transforma em um inferno para eles.

Isso porque uma empresa de energia eólica está interessada em comprar os terrenos dos moradores para instalar seus equipamentos, e um dos maiores defensores da proposta é o vizinho do terreno ao lado, Xan (Luis Zahera), que vive lá desde que nasceu com a mãe e o irmão. Como a compra só pode ser concretizada se todos os moradores aceitarem, Xan começa a se indispor com Antoine, a quem só se refere discriminatoriamente como “o francês”, numa tentativa de colocá-lo contra os demais moradores. Aos poucos as ameaças de violência começam a se concretizar, numa espiral que a direção de Sorogoyen sabe valorizar com a criação de uma atmosfera envolvente de suspense.

Em um determinado momento, Antoine e Xan sentam-se à mesa para buscar um entendimento civilizado. É quando ouvimos os argumentos de Xan: “Após 50 anos sobrevivendo nesse fim de mundo de merda, tenho a chance de ganhar um dinheiro para me mudar e tentar comprar um táxi”. Na sua visão, que direito um estrangeiro letrado, intelectual, teria de se meter na vida de pobres ignorantes como ele, tentando privá-los do que seria uma oportunidade única?

É uma tentativa, por parte do roteiro (co-escrito pelo diretor com Isabel Peña), de humanizar o lado da “besta” do título e adicionar uma camada a mais de reflexão, mas o confronto Bem x Mal já está bem demarcado e assim seguirá até o fim do filme, cujo ritmo cai quando passa a assumir o ponto de vista da mulher de Antoine, sem chegar a comprometer este bom filme.



*Texto publicado originalmente n'O Globo.

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