Críticas


MANDADO

De: João Paulo Reys e Brenda Melo Moraes
18.11.2022
Por Maria Caú
Narrativa engessada e direção vacilante desperdiçam um tema crucial para a compreensão do Rio de Janeiro contemporâneo

A cartela que abre Mandado causa arrepios: “Este filme é dedicado às pessoas que morreram sem vê-lo pronto”. Ecoando essas palavras, temos entre os entrevistados pelo documentário sobre os desmandos policiais nas favelas do Rio de Janeiro a vereadora e ativista Marielle Franco, cujo assassinado brutal permanece não resolvido. O longa levou cerca de seis anos para ficar pronto, dado de forma alguma incomum no cenário do cinema brasileiro, mas que infelizmente faz com que certas obras (o caso dos documentários de cunho político é ainda mais evidente) sofram por trazer à tona debates que poderiam se beneficiar de um aporte com maior consonância com o momento atual. Aqui, trata-se das ações francamente inconstitucionais empreendidas pela polícia carioca à proximidade dos grandes eventos internacionais na cidade (dos Jogos Pan-Americanos de 2007 às Olimpíadas de 2016) numa obra que emerge já a certa distância desses acontecimentos, não conseguindo incorporar à discussão uma ponderação mais detida sobre as heranças desses eventos para a geografia da cidade e a vivência da periferia hoje. Note-se que o cenário político brasileiro contou com tantos e tão intensos plot twists nos últimos anos que é um desafio permanente se manter a par.

É inegável que o filme traz à tona uma questão crucial para a compreensão dos contrastes entre os Rios de Janeiro vivenciados pelos corpos hegemônicos e pelos corpos periféricos, com realidades de habitação, circulação e acesso completamente díspares. No foco da narrativa, um mandado genérico de busca e apreensão, sem base legal e expedido pouco antes da Copa do Mundo de 2014, autorizando a polícia a adentrar qualquer casa de dezenove ruas e uma localidade, a maior parte das quais pertencente ao Complexo da Maré, escancara a distância entre a favela e o “asfalto” cariocas. No Brasil, o princípio da inviolabilidade do domicílio é respeitado apenas até os limites dos espaços periféricos.

O excesso de formalismo do documentário, dirigido por João Paulo Reys e Brenda Melo Moraes, aliado a uma condução narrativa um tanto vacilante, faz com que o tema resulte mal explorado. Há algumas imagens de arquivo que se destacam, mas as entrevistas – com ativistas, jornalistas, juristas e moradores da Maré – soam progressivamente redundantes. A segunda parte do filme se perde numa longa discussão jurídica que, muito embora relevante, acaba se mostrando algo tediosa e repetitiva. A trilha sonora, excessivamente dramática, incomoda e soa emocionalmente manipulativa. O conjunto geral, extremamente convencional, com uma construção narrativa engessada e por vezes confusa, faz com que um longa-metragem bastante curto (de apenas 70 minutos) acabe por se mostrar maçante, mal aproveitando um tema premente.

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