Críticas


ESTRADA PARA PERDIÇÃO

De: SAM MENDES
Com: TOM HANKS, PAUL NEWMAN, JUDE LAW, TYLER HOECHLIN, JENNIFER JASON LEIGH
11.10.2002
Por Fernando Albagli
AMBICIOSA VARIAÇÃO DO FILME-DE-GÂNGSTER

Um rapazinho na praia, de frente para o mar, de costas para a câmera. E uma voz em off: "Há muitas histórias sobre Michael Sullivan. Algumas o apresentam como um homem decente. Outras dizem que nele nada há de bom. Mas eu passei seis semanas com ele, no inverno de 1931. Esta é a nossa história."



É assim que começa Estrada para Perdição, segundo longa-metragem de Sam Mendes, o ganhador do Oscar de 1999, com Beleza Americana.



Provavelmente, quem conhece a história em quadrinhos – que Max Allan Collins começou a escrever, e Richard Piers Raynes a desenhar, em 1998 – na qual se baseia o roteiro de David Self, espera uma história cujo tema são os gângsteres da época da Depressão americana. Uma recorrente referência àquela origem é a revistinha que o jovem Michael lê avidamente com as aventuras do Lone Ranger (Zorro, no Brasil).



Mas não é bem assim. A Depressão, a gangue, o inverno de 1931 são apenas cenário e época de um filme sobre o relacionamento entre pais e filhos. Não faltam os clássicos elementos das histórias ambientadas no mundo do crime, as matanças, os tiroteios, o sangue derramado. Mas as seqüências onde eles acontecem são tratadas com uma estilização que produz, nas platéias, mais prazer visual que descarga de adrenalina.



Michael Sullivan (Hanks) é o braço direito do chefão John Rooney (Newman). É ele quem elimina os desafetos e os que perturbam os negócios do patrão. Rooney praticamente o adotou, o que provoca ressentimentos no verdadeiro filho biológico, Connor (Craig), amoral, ambicioso e impulsivo.



O triângulo formado por eles constitui uma parte do tema principal do filme. A outra parte – explorada mais profunda e delicadamente – revela os sentimentos de um menino de 12 anos, Michael Sullivan Jr. (Hoechlin), em relação ao pai e, para este, a descoberta do amor paterno com seus possíveis sacrifícios.



O gênero filme-de-gângster já serviu de pretexto para melodramas, críticas sociais, sátiras, estudos psicológicos, comédias de humor negro, dramas familiares. Mendes pretendeu uma nova e ambiciosa variação. Além de uma violenta história de vingança, reforça a inspiração nas tragédias gregas acentuando o papel do "inexorável destino" na vida dos personagens. Assim como Rooney, Sullivan não tem opção. Apenas segue o que está escrito e cumpre o seu papel da melhor maneira. Mas, apesar de batizar o filho com seu nome, deseja que ele não lhe siga os passos, que tenha oportunidade de fazer escolhas.



Imprudentemente, buscando descobrir afinal qual é o ofício do pai, o menino testemunha um assassinato cujo autor é Connor Rooney. É o pretexto que faltava para que os ressentimentos se manifestem com extrema crueldade.



Daí em diante, a ação se transforma numa voragem de fugas e perseguições entremeadas por um feroz desejo de vingança. Logo, o taciturno Sullivan está fugindo dos antigos companheiros, ao lado do filho, pela estrada que intitula o filme: Perdição é a cidade onde eles pretendem se abrigar e, ao mesmo tempo, uma quase explícita metáfora do destino final dos personagens principais.



Enquanto para Rooney há uma lei em seu mundo que não pode ser desobedecida – o sangue sempre prevalece, o filho biológico pode se revelar um traidor mas deve ser protegido pelo pai – para Sullivan há uma possibilidade de redenção, ao menos representada na salvação do filho, que poderá escapar da Perdição.



O diretor consegue transmitir, em poucas palavras e gestos econômicos, o fortalecimento da relação entre o lacônico Sullivan e o filho carente, enquanto fogem juntos do excêntrico e frio assassino-fotógrafo, interpretado ambiguamente por Jude Law, numa sutil subatuação.



A fotografia do premiado Conrad L. Hall, provavelmente candidata a muitos prêmios, pinta o clima de sombras presente em quase todo o filme. E, aliada à música de Thomas Newman e ao som (e até à falta dele), constrói momentos bastante originais, como o da seqüência na noite chuvosa, que vai se revelando aos poucos, onde os capangas de Rooney caem, um a um, derrubados por uma luz que bruxuleia ao longe, que se precebe depois ser de uma metralhadora portátil empunhada por Sullivan.



Paradoxalmente, porém, a contida interpretação do excelente elenco e todo o apuro formal para a realização dos ambiciosos objetivos dos autores talvez se constituam também na maior fraqueza do filme, criando algum obstáculo entre a história e uma emoção maior da platéia.





ESTRADA PARA PERDIÇÃO (ROAD TO PERDITION)

EUA, 2002

Direção: SAM MENDES

Roteiro: DAVID SELF

Produção: DEAN ZANUCK, RICHARD D. ZANUCK e SAM MENDES

Fotografia: CONRAD L. HALL

Montagem: JILL BILCOCK

Música: THOMAS NEWMAN e JOHN M. WILLIAMS

Design de Produção: DENNIS GASSNER

Elenco: TOM HANKS, PAUL NEWMAN, JUDE LAW, TYLER HOECHLIN, JENNIFER JASON LEIGH, DANIEL CRAIG, STANLEY TUCCI

Duração: 119 minutos

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