Críticas


JOGO DE CENA

De: EDUARDO COUTINHO
Com: ANDREA BELTRÃO, FERNANDA TORRES, MARILIA PERA
09.11.2007
Por Maria Silvia Camargo
DELICADOS LIMITES

Há um ponto de virada em Jogo de Cena de Eduardo Coutinho: é quando uma terceira personagem diz o mesmo texto. Até aquele depoimento – um dos mais contundentes em cena – o espectador está certo de que quem viveu aquilo foi a primeira a contá-lo. Depois ele é refeito por uma atriz. Mas quando entra em cena uma outra não-atriz falando a mesma coisa, fica-se em dúvida. Até aqui o filme está num terreno pantanoso: das 83 mulheres que atenderam a um anúncio no jornal, Coutinho selecionou 23 e, dentre estas, várias que contam problemas com seus filhos e amores. Até ali já se ouviu uma ou duas vezes a frase: “meu marido me largou, disse que queria curtir a vida”. Há pontos em comum a todos os relatos e, até esta cena importante, pensamos que Coutinho tem uma simpatia enorme pelas mulheres, uma preferência até, pois escolhe muitas traídas – pelos homens ou “por Deus”, como nos explica uma delas.



No entanto, quando já estamos nos encolhendo na cadeira cada vez que uma das depoentes diz a palavra “filho”, esperando pelo pior, ele lança a provocação: de quem é aquela história? ela é verdadeira? ou faz parte da memória que, como costuma a dizer o diretor, “é feita de esquecimento e invenção”? O relaxamento da fronteira ficção/realidade em Jogo de Cena , tão comum nos filmes destes últimos anos, também nos distensiona. E saímos do cinema com a sensação de que todos os depoimentos são um só, todas aquelas mulheres são uma única, que pode estar até sentada na platéia. Somos filhas desta época incerta, em que filhos são ameaçados e amores se vão. O sentimento é bem expresso por Fernanda Torres, quando ela tem a coragem de dizer: “está acontecendo uma coisa engraçada e difícil. Eu não sei se estou sendo fiel à pessoa que você entrevistou”.



Fernanda não tinha certeza se poderia fazer aquela cena, assim como uma entrevistada não sabia se tinha tido a relação sexual que provocou sua gravidez, e, outra ainda, se tinha usado corretamente um método anticoncepcional. Não existe narrador, não existem certezas: todas as fronteiras do espetáculo são fluidas. Tirando a câmera fixa no palco do Teatro Glauce Rocha diante da qual elas se sentam, o filme é mais como as mulheres sentem ou representam suas vidas do que sobre suas vidas. Neste ponto, Jogo de Cena só aprimora as crenças de Coutinho sobre o documentário e é coerente com tudo o que ele fez até aqui.



Colocar atores dizendo depoimentos pessoais não é um recurso novo. Vários documentaristas, como Abbas Kiarostami e Marin Karmitz fizeram coisas parecidas (em Dez eles usam deste recurso para traçar um retrato das mulheres do Irã, inclusive). Até no Fantástico da Rede Globo o diretor Jorge Furtado tinham um quadro em que os atores Pedro Cardoso e Lúcio Mauro Filho diziam o texto de pessoas comuns. São muitas as experiências nesta mescla de realidade e ficção. O importante no filme de Coutinho são as personagens escolhidas, a edição, e, principalmente, as cenas de making-off que ele mistura ao filme, com as atrizes contando suas histórias e falando das dificuldades em reinterpretar a realidade.



# JOGO DE CENA

Brasil, 2006

Direção: EDUARDO COUTINHO

Fotografia: JACQUES CHEUICHE

Montagem: JORDANA BERG

Elenco: ANDRÉA BELTRÃO, FERNANDA TORRES, MARILIA PERA, MARY SHEILA, GISELE ALVES MOURA, DÉBORA ALMEIDA, SARITA HOULI.

Duração: 103 minutos



Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário