Gosto muito dos filmes de Jordan Peele (“Corra!”, “Nós”) pela reflexão que eles têm a oferecer, que vai além dos sustos e de outros elementos tradicionais do terror. Enxergar na trama sobrenatural metáforas fincadas na realidade pode motivar a ida ao cinema mesmo de quem não aprecia o gênero. É o caso, por exemplo, do filme australiano “Fale Comigo”.
A trama gira em torno de um grupo de jovens que se reúne em torno de uma mão embalsamada que teria pertencido a um vidente, e por isso é capaz de conectar quem a segura com espíritos assustadores, permitindo a eles serem possuídos por alguns segundos. A brincadeira do grupo é filmar a reação de quem está possuído para depois postar nas redes sociais.
A sacada do filme dos irmãos Danny e Michael Phillipou é que se alguém segurar na mão amaldiçoada por mais de 90 segundos, o espírito maligno se apossa do corpo da pessoa para sempre. A partir desse detalhe, podemos relacionar o transe momentâneo vivido pelos possuídos a uma viagem sob o efeito de drogas alucinógenas pesadas. O vício na adrenalina do medo do desconhecido gera no usuário uma sensação de euforia que o faz querer experimentar cada vez mais e mais – e correr riscos.
Mia (Sophie Wilde) “usa” a mão com dois propósitos: um inconsciente (amenizar o luto pela perda recente da mãe suicida) e outro consciente (buscar contato com o espírito da mãe enquanto estiver possuída). Sua vulnerabilidade a faz ultrapassar a barreira temporal de “segurança” e se entregar ao "vício", passando a ser permanentemente assombrada. E ainda carrega consigo o irmão adolescente de sua melhor amiga, que a princípio apertaria a mão por apenas 50 segundos, mas acaba tendo uma “overdose” que lhe deixa trágicas sequelas.
É o suficiente para o caos se instalar, dando alguns sustos no espectador que vão além dos clichês do terror para adolescentes. Se você tem interesse em alertar seus filhos sobre o perigo no uso de drogas pesadas sem qualquer ranço moralista, uma sessão de “Fale Comigo” é uma boa e criativa pedida.