Críticas


ESTRANHA FORMA DE VIDA

De: PEDRO ALMODÓVAR
Com: PEDRO PASCAL, ETHAN HAWKE
15.09.2023
Por Marcelo Janot
Almodóvar subverte a atmosfera habitual da representação cinematográfica do Velho Oeste

Há uma força simbólica no fato de um curta-metragem de 31 minutos merecer lançamento comercial nos cinemas. Impulsionado pela assinatura de Pedro Almodóvar, ele mostra que o cinema de autor ainda sobrevive e tem seu público fiel. A sessão tem como complemento uma entrevista inédita do diretor.

“Estranha forma de vida” começa com um caubói galopando em plano aberto, imagem que imediatamente remete aos faroestes tradicionais, mas a trilha sonora que acompanha a abertura é o fado “Estranha forma de vida”, de Amália Rodrigues. Cantado por um jovem violonista de olhos verdes (que na verdade está sendo dublado por Caetano Veloso), a interpretação delicada já subverte por si só a atmosfera habitual da representação cinematográfica do Velho Oeste.

O forasteiro é Silva (Pedro Pascal), rancheiro que vai atrás de Jake (Ethan Hawke), seu ex-amante e ex-pistoleiro como ele. Jake se tornou o xerife de Bitter Creek, e procura o filho de Silva, suposto assassino de sua cunhada. Quando eles jantam na casa de Jake, o plano em plongée do prato de comida e a direção de arte, com o verde e o vermelho saltando aos olhos, não deixam dúvidas de que estamos diante de um filme de Almodóvar. Sua principal marca registrada também está lá: as leis do desejo, ditando o comportamento dos personagens, com lembranças boas e amargas de um passado de transgressão que são revividas 25 anos mais tarde.

A escalada de tensão da primeira metade do filme é quebrada com um flashback de uma aventura amorosa dos dois jovens pistoleiros fazendo sexo em uma adega, com vinho jorrando sobre eles. É uma piscadela mais comedida de Almodóvar à irreverência das primeiras décadas de sua filmografia, enquanto o coro na trilha sonora de Alberto Iglesias, seu compositor habitual, faz lembrar a parceria entre Ennio Morricone e Sergio Leone. O cinema de Leone também é evocado pelo duelo no formato de um “impasse mexicano” (três personagens apontando as armas uns para os outros simultaneamente, também usado muito por Tarantino).

Em 2006, “O Segredo de Brokeback Mountain” deu a Ang Lee o Oscar de Direção com a história de dois caubóis gays iniciada nos anos 60, mas o filme de Almodóvar vai além por lidar com códigos do western clássico, acrescentando literalmente uma roupagem Yves Saint-Laurent e com uma abordagem que seria impensável nos clássicos do Velho Oeste, mas que sinaliza para novos e saudáveis tempos.

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