Críticas


VIDAS PASSADAS

De: CELINE SONG
Com: GRETA LEE, TEO YOO, JOHN MAGARO
25.01.2024
Por Luiz Fernando Gallego
O passado é um país estrangeiro: lá as coisas acontecem de outro modo

O passado é um país estrangeiro: lá as coisas acontecem de outro modo” - a frase de abertura do livro “The Go-Between” (posteriormente filmado por Joseph Losey, O Mensageiro, Palma de Ouro em Cannes, 1971) pode ser lembrada a propósito de um filme tão diferente quanto é Vidas Passadas, estreia de Celine Song na direção em longa metragem.

Na cena de abertura, um homem está ao lado de uma mulher e de outro homem, estes dois de feições orientais, no balcão de um bar. Vozes em off comentam, tentando entender se a mulher, no centro, é parceira do homem à sua direita ou do outro, à esquerda. Comentam como os três parecem estar se relacionando em duplas – ou não.

Um letreiro anuncia que a cena seguinte se passa “24 anos antes” e vemos um garoto e uma garota orientais, aparentando algo em torno de doze anos de idade, conversando enquanto caminham na saída da escola. Nesta primeira parte do filme sabemos que a família da menina vai emigrar para o Canadá. Um novo letreiro (“12 anos depois”) mostra num “capítulo” intermediário como eles se “reencontraram” pela internet, ela morando em Nova York, ele na Coreia do Sul, até que no terço final saberemos qual é o grau de relação daquele trio da cena inicial que transcorre em Nova York.

Muitos filmes já abordaram vidas que se reencontram depois de muitos anos, assinalando a importância (ou peso) da infância na vida adulta. Se há um diferencial em Vidas Passadas é a delicadeza da abordagem em que os personagens desenvolveram projetos particulares e aquilo que, afetivamente, os une - e ainda, aquilo que pode separá-los além da distância geográfica e/ou cultural. Embora o cerne do enredo esteja no relacionamento dos dois coreanos de origem, o outro homem, o “branco”, também vai passar pela avaliação do que sustenta mais – ou menos – uma relação amorosa. Neste sentido, a interpretação dos atores foi fundamental para que o filme não escorregasse em sentimentalismo barato ou clichês surrados, por mais que o que acontece com eles seja tão prosaico, frequente e universal.

Aliás, a diretora e roteirista nasceu na Coreia do Sul, sua família emigrou para o Canadá e ela se radicou em NY, mas o que vemos não parece advir de uma viagem em torno de seu umbigo, sugerindo, sim, uma elaboração que pode implicar muitos espectadores de diferentes etnias e experiências de vida.

Greta Lee como vértice central daquele trio vem recebendo prêmios e indicações por seu desempenho, sendo que John Magaro também merece reconhecimento por sua participação num papel que exige mais discrição do que qualquer manifestação um mínimo tom acima que seja. Mas quem impressiona ainda mais numa chave semelhante, e com mais oportunidades, é Teo Yoo que recebe excelentes diálogos do roteiro e consegue emocionar numa composição quase minimalista, sendo o personagem em quem o “país estrangeiro” do passado permanece mais ativo, mesmo que lá as coisas aconteçam de outro modo, diferente.

Vidas Passadas, mais do que se referir à ideia (de possível origem budista) sobre reencarnações e reencontros em outras vidas, algo mencionado no filme várias vezes, deixa claro que a infância é, em si mesma, a vida passada do título, ainda que possa se eternizar no presente.

Sem que falasse exatamente de infância no passado, também cabe lembrar Nosso amor do passado (Conversations with another woman), pouco visto filme de Hans Canosa, 2005, com Helena Bonham Carter e Aaron Eckhart.

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Outros comentários
    5336
  • Marcia Gaspar Gomes
    25.01.2024 às 21:04

    Excelente critica. Em seus minimos detalhes, discreta , sintônica com a atmosfera do filme em questão. Obrigada, Gallego. Once more.
  • 5337
  • Maria Célia
    04.02.2024 às 20:08

    Parabéns Luiz Fernando e obrigada por sua crítica, a qual muito me motiva a viajar até aí para assistir este filme, entre outros .