Críticas


IMPÉRIO DOS SONHOS

23.12.2007
Por Rogério Skylab
FRONTEIRAS ABOLIDAS

Depois de Tropa de Elite, encabeçando a tendência hiper-realista do cinema nacional e do mercado cinematográfico como um todo, eis que desembarca na Terra do Pau Brasil, David Lynch. IMPÉRIO DOS SONHOS é, de longe, seu filme mais radical. Porque se nos anteriores, ainda sobrevive alguma estrutura lógica que nos permite acompanhar o encadeamento dos fatos, aqui isso desaparece. O que não significa dizer que foi abolido qualquer resquício de lei, subjacente às imagens. Dentro de uma aparente anarquia, vislumbramos algumas constantes: 1- atores; 2- objetos; 3- cenários; 4- paisagens.



Sabemos também que um filme será rodado, refilmagem de um outro que não chegou a se constituir; sabemos do assassinato dos protagonistas desse primeiro filme; sabemos das palavras que a nova vizinha da atriz - a ser escolhida para fazer o filme - vai proferir; e sabemos, sobretudo, que palavras, objetos, paisagens, cenários, serão repetidos durante o percurso do filme, mas investidos em novas funções e novos contextos. O que nos sugere uma certa materialidade dos signos, obrigando-nos a fixar a atenção, não em uma, mas numa profusão de estórias em que esses signos reincidem.



Esse labirinto que David Linch nos convida atravessar estará resguardado do tédio. Porque aqui tudo é ação, assim como nos sonhos - as palavras não são o seu atributo. O que nos leva a uma interessante questão: ainda que dentro de uma escola americana de se fazer cinema, temas, como o nonsense, tão caros ao cinema europeu, serão possíveis? É o que parece nos indicar David Lynch e não só ele: John Cassavetes também o provou - basta pensarmos em Gena Rowlands no filme Uma Mulher Sob Influência. Também aqui, Laura Dern remete-nos a um expressionismo facial que vai ao encontro das próprios intenções do diretor. Buscar-se-á todos os métodos de deformação da imagem, inclusive com a aproximação da lente.



Filmado em digital - o que propicia uma textura mais áspera e direta se comparada à película - talvez isso tenha possibilitado à David Lynch a aproximação entre o mundo sombrio e o real, o que parece ser uma obsessão sua. Quando os dois atores, escolhidos para contracenarem, passam a se tratar na vida real por seus nomes fictícios; e quando o cenário dos Rabbits – sitcom de Lynch, antigamente só disponível na Internet -, se integra à casa de Laura Dern no início do filme, vê-se logo que as fronteiras entre o real e a ficção foram abolidas, assim como as do passado e do futuro, ou as de uma realização sua anterior e a atual.



Ainda que a sua forma de direção dos atores seja bem livre, o que novamente nos faz pensar em Cassavetes, ainda assim, talvez possamos identificar algumas diferenças entre ambos. A experiência da loucura em Cassavetes nos remete ao enclausuramento – impossibilidade de sentido, velamento; já em Lynch, vai se explorar as diversas possibilidades do sentido – aqui, estamos diante de uma obra barroca, onde se põe em evidência o duplo, o remake, as repetições e suas variáveis. Mas em momento algum poderemos identificar Império dos Sonhos com a linguagem automática de Apollinaire. Daí porque o surrealismo não seja a forma mais adequada para entender a obra de Lynch. Principalmente em seu último filme, as cenas nunca serão gratuitas – por mais desconexas, elas seguirão uma lógica facilmente identificável e que estará sempre a serviço da ação. A presença do psicanalista talvez nos sugira uma lógica dos sonhos.



A auto-referência, como nos indicam a imagem na TV da própria pessoa vendo a TV, Laura Dern vendo a si mesma na tela grande do cine, ou, a própria origem do filme – um roteiro para a televisão que foi interrompido e não foi ao ar -, talvez nos faça crer que existe um centro, do qual se irradia toda a parafernália de imagens. A profecia de que uma criança seria assassinada não se realiza e o filme termina, desafiadoramente, em toda sua plenitude, a nos confirmar que não é um mero produto de Holywood.



Rogerio Skylab é Músico



# IMPÉRIO DOS SONHOS (Inland Empire)

EUA, França, Polônia, 2006

Direção, Roteiro, Fotografia e Montagem: DAVID LYNCH

Música: DEAN HURLEY

Elenco: LAURA DERN, JEREMY IRONS, JUSTIN THEROUX

Duração: 197 minutos

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