Críticas


MEU NOME NÂO É JOHNNY

De: MAURO LIMA
Com: SELTON MELLO, CLEO PIRES, CASSIA KISS
07.01.2008
Por Nelson Hoineff
BANDIDOS SÃO OS OUTROS

O drama individual em meio à desagregação da sociedade define movimentos cinematográficos inteiros, como o neo-realismo, para não ir muito longe. No Brasil, o tráfico de drogas e as sociedades paralelas que dele nasceram configuram um drama tão comovente quanto o do conflito entre países. Não é surpreendente, então, que esta situação tenha gerado um gênero em si – e que bons filmes tenham nascido daí. Filmes bem diferentes - e que abordam a questão sob óticas que algumas vezes são complementares, outras conflitantes. O recente sucesso de Tropa de Elite decorre em boa parte da fluência com que o filme relata as relações tensas entre o crime organizado e a polícia no Rio, mas não se pode fechar os olhos ao fato de que se a população saúda a ação do Capitão Nascimento é porque ela está perdendo a capacidade de viver sob o domínio do banditismo. A sociedade não é culpada de pensar dessa maneira. O jugo do poder paralelo é o terror; a perda dos valores éticos do ser humano é o drama.



O protagonista de Meu Nome Não é Johnny vende cocaína, mas não se pode dizer que ele seja um bandido. O personagem sustenta isso ele mesmo no tribunal, num dos muitos monólogos extraordinários oferecidos a Selton Mello. Momentos assim tornam-se possíveis pela horizontalidade do olhar que o diretor Mauro Lima consegue lançar sobre os seus personagens. Não são personagens diferentes de muitos outros que o cinema eternizou, em filmes que seguem a trilha de Farrapo Humano, por exemplo: o homem simples, de boa índole, vencido pelas drogas. Billy Wilder era um diretor capaz de descrever tal coisa, e Ray Milland de intermediá-la para o espectador.



É uma equação complexa, porque o somatório de auto-comiseração com moral dominante costuma ser zero. Meu Nome Não é Johnny debate-se muitas vezes com um paradoxo stevensoniano: há um lado do filme que vê-se compelido a bajular a platéia pintando tudo com as cores mais simples (chegando ao ponto de declamar um bilhete que está estampado na tela), como se a obra necessitasse disso ou como se o espectador só fosse sensível a ela se tratado como um deficiente mental, coisa em que a televisão (à qual uma substancial parte do cinema brasileiro hoje se atrela) acredita piamente; o outro lado do filme, no entanto, abre espaço para que o diálogo com o espectador seja bem mais nobre. Onde emoções mais do que as estritamente primárias possam aflorar. É esse, felizmente, o que prevalece.



Lima extrai o que há de melhor no relato de Guilherme Fiúza sobre a vida de João Estrella, o jovem de classe média que se envolve na distribuição da cocaína que consumia socialmente. Todo roteiro precisa de um conflito – e o conflito principal que Fiúza constrói vai muito além do relato da decadência de um jovem aspirante a músico. Ele é bem mais visível na ambigüidade entre a distribuição de cocaína para seus pares e a condição de bandido, no contexto de uma cidade como o Rio de Janeiro, onde 17 pessoas são assassinadas todos os dias.



A própria história de João Estrella não teria muito interesse, não fosse o extrato social onde ela se localiza. De novo, a franqueza do relato cinematográfico supera amplamente a vontade quase irrefreável de tratar o espectador do filme como um consumidor tornado gado pela sub-dramaturgia hegemônica na televisão. É a angustiante batalha contra o braço de Peter Sellers querendo se revelar o nazista de Dr. Strangelove. Essa franqueza está nas festas conduzidas pelo protagonista. Está no divertidíssimo encontro com os dois policiais corruptos que buscam uma fatia do bolo. Está no texto de Fiúza, que sabe do que está falando.



Mauro Lima acerta em cheio nas cenas de conjunto, tanto nas festas quanto na cadeia ou no manicômio judiciário. Eventualmente joga na defesa, fechando a câmera sempre que possível, mas ainda assim os resultados obtidos em seqüências como a briga entre os detentos brasileiros e africanos, são bem acima da média. Tem a seu favor uma eficientíssima trilha musical de Fabio e Fael Mondego, mas não deixa de enfrentar uma série de problemas. Alguns são facilmente identificáveis, como a equivocada escalação de Cássia Kiss para o papel da juíza, que deixa o personagem à procura de uma densidade que lhe seria vital mas que aqui é impossível alcançar. Outros tem origem mais obscura. Quase todas as aparições de Gillray Coutinho (muito bem como o advogado de Estrella), por exemplo, parecem inseridas em cima da hora e soam estranhas à ação. Mas é na fotografia que está o principal ponto destoante. Ou o diretor de fotografia Uli Burtin enfrentou graves problemas, ou a cópia em exibição no UCI 13 do New York City Center não poderia ter sido aprovada por qualquer controle razoável de qualidade.



De todas as armadilhas das quais Meu Nome Não é Johnny consegue escapar, no entanto, a maior é a da banalização. Talvez isso não tivesse sido possível – dificilmente, pelo menos, o filme poderia lançar um olhar tão sereno sobre a situação que envolve João Estrella, se o protagonista não fosse Selton Mello. É ele quem faz a diferença em filmes recentes como O Cheiro do Ralo ou Árido Movie. E é ele quem de novo faz a diferença em Meu Nome Não é Johnny. Hitchcock dizia que ator é gado. Estava exercitando seu fino humor. Quando é inteligente, quando sabe do que está falando, um ator é capaz de tornar plausível qualquer situação. Mais uma vez, aqui, Selton possibilita ao filme trafegar em um nível vários pontos acima do banal.



# MEU NOME NÃO É JOHNNY

Brasil, 2008

Direção: MAURO LIMA

Roteiro: MARIZA LEÃO e MAURO LIMA

Produção: MARIZA LEÃO

Fotografia: ULI BURTIN

Edição: MARCELO MORAES

Música: MARCOS TOMMASO

Elenco: SELTON MELLO, CLEO PIRES, CASSIA KISS, EVA TODOR, ANDRE DE BIASI.

Duração: 126 min.

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