Críticas


ANATOMIA DE UMA QUEDA

De: JUSTINE TRIET
Com: SANDRA HÜLLER, SWANN ARLAUD, MILO MACHADO-GRANER
11.03.2024
Por Marcelo Janot
O veredito acaba sendo apenas um detalhe frente às questões psicológicas, sociais e morais que nos são apresentadas de forma tão contundente.

Filmes de tribunal renderam diversas obras-primas, seja destacando advogados (“Testemunha de Acusação”), jurados (“12 Homens e Uma Sentença”) ou o drama pessoal dos envolvidos no processo (“O Julgamento de Viviane Amsalen”). Um gênero que parece longe de estar esgotado, como mostraram recentemente “Saint Omer”, de Alice Diop, “O Caso Goldman”, de Cédric Kahn, e sobretudo o grande vencedor da Palma de Ouro em Cannes no ano passado, “Anatomia de Uma Queda”, de Justine Triet, que concorreu a cinco Oscars, incluindo Melhor Filme, Direção, Roteiro, Atriz e Edição, vencendo a de Melhor Roteiro Original (Justine Triet e Arthur Harari).

Estamos diante não apenas da anatomia de uma queda física pela janela de uma casa, que resultou na morte de um escritor francês e colocou sob suspeita a mulher dele, também escritora. Há muitas outras quedas embutidas nessa abordagem: a que desemboca na falência da relação do casal, a da noção de justiça pelo tribunal francês, e sobretudo a queda das nossas próprias certezas e convicções diante dos fatos que se apresentam, pela maneira como se apresentam.

Se em um primeiro momento nossa empatia parece direcionada a acreditarmos na plena inocência de Sandra (Sandra Hüller), e nos incomoda o comportamento agressivo dos envolvidos na acusação (com a aparente anuência da juíza), as provas e relatos apresentados ao longo do processo podem nos colocar em dúvida. Mérito do roteiro, da direção e do brilhante elenco, que nos tiram de uma perigosa zona de conforto que se tornou um dos males da sociedade moderna: a acomodação pela facilidade de julgar o outro, apontar o dedo e decretar sentenças, impulsionados pela sensação de pertencimento promovida pelas bolhas algorítmicas das redes sociais.

É esse mundo doente, onde não há espaço para o contraditório porque não se escuta o que o outro lado tem a dizer, que tem suas estruturas abaladas por “Anatomia de Uma Queda”. A narrativa é construída numa espiral de suspense rumo ao clímax, como nos clássicos filmes de tribunal, mas o veredito acaba sendo apenas um detalhe frente às questões psicológicas, sociais e morais que nos são apresentadas de forma tão contundente.

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