Críticas


LA CHIMERA

De: Alice Rohrwacher
Com: Josh O’Connor, Isabella Rossellini, Carol Duarte
20.04.2024
Por Amanda Luvizotto
Prende o espectador, mas se excede visualmente

“Eu estou sempre procurando algo, uma pessoa, um lugar... Não sei o que é ou onde é, mas eu sei que é importante para mim...” (Your Name, Makoto Shinkai)



Após ser exibido em diversos festivais, incluindo o Festival de Cannes de 2023 e a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, chega ao circuito comercial no próximo dia 25 de abril o filme La Chimera. A obra é escrita e dirigida pela italiana Alice Rohrwacher, responsável também pelo filme Lazzaro Felice (2018), recebido de forma positiva pelo público à época e vencedor do prêmio de melhor roteiro em Cannes. O elenco principal conta com o britânico Josh O’Connor, conhecido como o Príncipe Charles da série The Crown (Netflix), a ítalo-americana Isabella Rossellini e a brasileira Carol Duarte, responsável por interpretar um personagem transgênero durante seu processo de amadurecimento e transição na novela A força do querer, e a protagonista Eurídice Gusmão no filme de Karim Aïnouz A vida invisível.

O longa-metragem acompanha a trajetória de Arthur (O’Connor), britânico recém-saído da prisão que mora em condições miseráveis no interior da Itália. Já nos primeiros minutos de exibição, o espectador entende que Arthur e seu grupo de amigos atuam como “ladrões de túmulos”, procurando e invadindo catacumbas em busca de antigos e valiosos artefatos do período etrusco, que posteriormente serão vendidos por grandes quantias em leilões no mercado ilegal. Paralelamente, Arthur também procura por Beniamina, filha de Flora (Rossellini) e seu grande amor. É também na mansão de Flora que Arthur conhece Italia (Carol Duarte), estrangeira e suposta aluna de canto, mas que na realidade trabalha realizando serviços domésticos no local.

Ao longo dos 130 minutos de La Chimera, chama atenção a variedade de idiomas presentes em tela. Em uma mesma cena, é possível ouvir um diálogo que transita entre o inglês e o italiano, e ainda o som de falas em português ao fundo. É importante mencionar que, apesar do destaque dado às origens de Arthur ao longo da narrativa – durante uma cena musical, é citado que pode ser inglês ou irlandês, e ele é chamado diversas vezes por outros personagens de “inglês” —, a nacionalidade de Italia não é referenciada de forma alguma, aparecendo somente nas raras falas da personagem em língua portuguesa. Tal diferença de tratamento causa incômodo, especialmente ao público brasileiro, representado por sua atriz conterrânea. 

Tratando ainda das representações em tela, considerando o fato de que a roteirista e diretora da obra é nascida na Itália e que esta que vos escreve também tem origens italianas, chega a ser ofensiva a forma caricata como a sociedade local é representada em tela. Enquanto os homens são piadistas, charlatões e grosseiros, as mulheres, em sua grande maioria, são fofoqueiras, estridentes e mal-educadas, falando sobre outro personagem em cena como se ele não estivesse presente em mais de um momento. Não fica claro, para o espectador, se há e qual seria o motivo da escolha de Rohrwacher ao recorrer a essa injusta e deturpada perspectiva.

A direção faz uso de diferentes recursos visuais, como filtros, quebra da quarta parede, movimentos e efeitos de câmera que marcam acontecimentos da trama, além de diversos formatos de exibição de tela, sendo estes usados de forma exaustiva e desnecessária já que pouco acrescentam à narrativa, o que torna a experiência repetitiva e enfadonha. As escolhas técnicas deixam a desejar, especialmente por se tratar de uma diretora premiada e elogiada por sua obra. 

O roteiro é o ponto alto do longa-metragem. Não por coincidência, foi indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes em 2023, perdendo o prêmio para
Anatomia de uma queda, de Justine Triet. A história contada em La Chimera flerta com o cinema fantástico e faz alusão à lenda da mitologia japonesa chamada Akai Ito, conhecida como “A lenda do fio vermelho do destino”, que fala da existência de um fio vermelho amarrado no dedo mindinho de duas pessoas, conectando-as, de forma que elas guardem um vínculo significativo ao longo de suas vidas. O fio, invisível ao olhar humano, pode esticar, torcer, mas nunca irá se romper. Diversas obras audiovisuais e literárias já contemplaram a lenda em suas histórias, como por exemplo o filme de animação dirigido por Makoto Shinkai Your Name, lançado em 2016 — do qual foi retirada a citação que abre esta crítica.

A interessante trama de La Chimera levanta questões pertinentes no que concerne ao valor das coisas e se elas de fato podem ou devem ser quantificadas. Aborda também discussões a respeito da “posse” dos bens públicos: afinal, quem são seus donos quando algo “é de todos mas também é de ninguém”, conforme citado pela personagem Flora em um ótimo diálogo. Entretanto o resultado final é algo mediano, sentimento que se deve ao exagero de efeitos visuais utilizados. A história contada já é intrigante e emocionante, logo tantos artifícios não se fazem necessários; ao contrário, interferem de forma brusca e negativa na experiência do espectador. Como disse a sábia estilista francesa Coco Chanel, “a simplicidade é a base da elegância. Menos é mais”.


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