“A idade simplifica o homem”, afirma o xerife Bell, interpretado por Tommy Lee Jones, em Onde os Fracos não têm Vez . Abalado em sua fé, Bell não conserva mais ilusões, o que não o impede de desejar uma utópica volta ao passado, a exemplo de seu relato a respeito de um sonho com o pai no diálogo que encerra esse filme de Joel e Ethan Coen.
Enxerga o mundo com clareza, apesar de sua visão surgir contaminada por uma comparação com o tempo em que os jovens mantinham um respeito hierárquico em relação aos mais velhos e não manifestavam no próprio corpo sinais de rebeldia. Mas o presente ao qual Bell e outros personagens idosos se referem não é a primeira década do século XXI e sim o início dos anos 80, época que serve de ambientação à história contada pelos Coen, diretamente extraída do livro Onde os Velhos não têm Vez , de Cormac McCarthy.
Esse distanciamento temporal talvez evidencie, ainda que sob uma ótica conservadora, que os sinais de ruína evidentes nos dias de hoje resultam de um processo de transformação iniciado há décadas. E que a decadência já era clara mesmo em regiões (aparentemente) congeladas no tempo, como o sul dos Estados Unidos onde se passa a maior parte da ação de Onde os Fracos não têm Vez . Joel e Ethan Coen parecem partilhar, em alguma medida, do desencanto dos personagens mais velhos, ao destacarem a adesão dos jovens ao dinheiro, num dos poucos momentos em que um determinado discurso vem à tona diante do espectador ao invés de permanecer embutido na estrutura do filme.
Confrontado com a impotência diante de uma ordem de valores que não o favorece, Bell conserva certa nostalgia por um passado em que os xerifes não carregavam armas. Mais do que isso, porém, não consegue ter acesso aos códigos de funcionamento deste “novo mundo” que testemunha ao final da vida. Até o modo de matar gado mudou, conforme ressalta para a perplexa Carla, mulher de Llewelyn Moss, que passa a ser perseguido pelo serial killer Anton Chigurh depois de se deparar com uma chacina e sair carregando uma valise cheia de dinheiro. “Os crimes de hoje são difíceis de compreender”, sintetiza Bell, o que remete à injustificada cruzada assassina de Chigurh, na composição aterradora de Javier Bardem.
Cada um dos três personagens principais evolui de acordo com um ritmo pessoal. Moss vale-se de uma agilidade algo inútil, mesmo após descobrir que estava sendo rastreado pelo matador através de um receptor escondido na valise; Chigurh, norteado por sua gélida eficácia, imprime andamento lento e preciso; e Bell, por simbolizar um descompasso com o mundo em que permanece inserido, surge como o personagem mais estacionado. Seja como for, eles (em especial, Moss e Chigurh) assemelham-se na persistência. Nenhum parece disposto a desistir antes de alcançar sua meta.
Joel e Ethan Coen revelam-se, não por acaso, muito rigorosos com o ritmo do filme. Esta atenção não diz respeito apenas à condução geral, mas ao tempo de cada cena. Uma seqüência, ao menos, merece ser citada: aquela em que Moss, ao se dar conta de que só pode estar sendo seguido, encontra o receptor na valise, liga para a portaria do hotel e percebe a presença de Chigurh no corredor iluminado e depois apagado.
Onde os Fracos não têm Vez é, sem dúvida, um filme sobre o tempo. Esta perspectiva está evidente nos diálogos e no registro da mentalidade regrada dos idosos no interior dos Estados Unidos, mas também na câmera dos Coen, a julgar pelo movimento lento, sutil, que acompanha a evocação de fatos antigos pelo velho Ellis diante de Bell. Se as pontes para o passado foram queimadas e não há como controlar o presente e muito menos o futuro, pode-se, é claro, fazer projeções de acordo com as evidências apresentadas. Nesse sentido, uma fala de Anton Chigurh é bastante sintomática: “você sabe como tudo isso vai acabar, não?”, pergunta a Llewelyn Moss. Os Coen seguem à risca o aviso de Chigurh. Mas o espectador se surpreende até o final da projeção.
# ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ (NO COUNTRY FOR OLD MEN)
EUA, 2007
Direção e Roteiro: JOEL & ETHAN COEN
Produção: JOEL COEN, ETHAN COEN, SCOTT RUDIN
Trilha Sonora: CARTER BURWELL
Fotografia: ROGER DEAKINS
Elenco: TOMMY LEE JONES, JAVIER BARDEM, JOSH BROLIN
Duração: 122 minutos