Depois que a Versátil Home Vídeo lançou o box “A Arte de William Wyler” (dois discos DVD com quatro filmes do diretor e alguns extras), a Obras-Primas do Cinema está colocando à venda a caixa “Dose Dupla – William Wyler”: um disco DVD com os clássicos Jezebel e Fogo de Outono e um (ótimo) extra de 23 minutos, “Making of de Jezebel” (sic).
Jezebel, de 1938, foi o primeiro dos três filmes que ele dirigiu com Bette Davis e ela recebeu seu segundo Oscar por este desempenho.
Fogo de Outono (“Dodsworth”), de 1936, - aqui, em cópia restaurada de 2019 - foi a primeira das 12 indicações de melhor diretor para Wyler.
Baseado num romance lançado em 1929 escrito por Sinclar Lewis, Prêmio Nobel 1930, aborda relacionamentos afetivos em personagens de meia-idade (um tema raro na época), além de repetir um assunto muitas vezes abordado por Henry James: gente dos EUA na Europa, suas peculiaridades culturais, hábitos e o misto de atração e repulsa pelas diferenças.
No elenco, Walter Huston, pai de John Huston e avô de Anjelica Huston, que era um grande nome do teatro novaiorquino e já havia estado num filme de Wyler, "A House Divided", de 1931.
Numa época em que os filmes buscavam distrair o público da depressão econômica com abordagens escapistas, Fogo de Outono foi saudado como um filme "adulto" e "para plateias maduras". Além da indicação de melhor direção, teve outras seis, incluindo Melhor Filme, Roteiro, Ator (Walter Huston), tendo recebido o prêmio de Direção de Arte.
Jezebel foi pensado como um veículo para Bette Davis, estrela da Warner em briga com o estúdio, dentre outros motivos, por desejar estar em papéis melhores. Foi feito com uma certa premência de tempo visando ser lançado antes de "...e o Vento Levou", pois trata de assuntos similares: a ação transcorre no Sul antes da Guerra de Secessão e a personagem central é uma sulista mimada e voluntariosa.
Dentre outros, Claude Beyle, no livro "Les Fims Clés du Cinéma", considera Jezebel superior a "E o vento levou", e aponta "a justeza de suas notações psicológicas, perfeição do elenco e dosagem hábil de realismo e epopeia". Na sua opinião "o romantismo subverte as convenções do melodrama" na abordagem da moça rica "despreocupada que alarma a alta sociedade antes de tornar-se uma vítima do dever (...) O contexto histórico de Nova Orleans com suas vastas plantações, mansões de colunatas e luxo antiquado de suas recepções mundanas serve como pano de fundo para uma história de amor contrariada, com duelos, sacrifícios sublimes e tudo mais. A direção é ampla e precisa ao mesmo tempo, atenta às mais sutis expressões do rosto da atriz sem perder a visão global de uma época conturbada".
No 'extra' como "making of" os entrevistados pontuam outros aspectos interessantes: da fotografia (que começa mais luminosa e vai ficando mais escura na medida em que o drama se acentua), da direção de arte com reconstituição cuidadosa da época, da trilha musical - com hipótese de colaboração de Wyler com Max Steiner; afinal, o diretor sabia tocar violino e faz uma breve aparição como membro da orquestra na famosa cena de baile.
Aliás, o uso do cenário amplo para esta cena (coisa rara nos filmes da Warner na época) é também objeto de análise, com destaque para a interpretação de Bette Davis neste momento: seus olhares tensos para Henry Fonda e para o que se passa à sua volta quando percebe que enquanto eles dançam todos os outros pares se afastam e param de dançar, mas não por apreciá-los.
O filho de William Wyler, no 'extra', comenta a preferência do pai por filmar cenas em profundidade, o que ele conseguiria com melhor foco a partir das parcerias com o cinegrafista Gregg Toland em filmes subsequentes.
O mesmo também se nota em "Dodsworth" com seus enquadramentos exatos para o que a cena pretende transmitir visualmente.
Jezebel foi indicado a cinco Oscars, incluindo Melhor Filme, música, fotografia, tendo recebido prêmios de atriz (Davis) e atriz coadjuvante (Fay Bainter).
Imperdível para cinéfilos que curtem mídia física e o cinema clássico.