Críticas


MEGALOPOLIS

De: FRANCIS FORD COPPOLA
Com: ADAM DRIVER, GIANCARLO ESPOSITO, NATHALIE EMMANUEL
31.10.2024
Por Marcelo Janot
Fora da tela o tempo é implacável, até com Coppola.

No material disponibilizado para a imprensa sobre “Megalopolis”, Francis Ford Coppola termina sua apresentação do projeto dizendo: “É meu sonho que ‘Megalópolis’ se torne um favorito permanente na época de Ano Novo, com o público discutindo depois não sobre suas novas dietas ou resoluções para não fumar, mas sim sobre esta simples questão: 'A sociedade em que vivemos é a única disponível para nós?’”

A julgar pela incerteza em relação à distribuição nos Estados Unidos, que pode seguir caminho parecido ao dos lançamentos modestos que tiveram os últimos filmes do diretor, e pelas reações que o filme vem despertando entre produtores e agora entre o público de Cannes, é bem provável que seu sonho se torne uma utopia como o próprio filme.

Na sessão para a imprensa à qual compareci, parte da plateia vaiou o filme no final, um dos momentos mais tristes que o Festival de Cannes já deve ter testemunhado. Independentemente dos muitos problemas que o filme possa ter de acordo com a análise subjetiva de cada um, vaiar “Megalopolis” não é apenas vaiar a obra que acabou de ser apresentada: é vaiar Coppola e tudo o que ele representa para o cinema, é vaiar seu amor incondicional pela arte, que por muitas vezes se manifestou de forma inconsequente, delirante, com uma saudável inquietude juvenil, através de projetos ousados, arriscados, utópicos, fossem eles bem sucedidos ou não. Aos 85 anos, definitivamente Coppola não merecia isso.

“Megalopolis” é um projeto que ele começou a idealizar ainda nos anos 80, chegou a iniciar a produção em 2001 mas foi interrompido pelo 11/9, até que a pandemia deu a ele o sentido de urgência de tentar realizar seu derradeiro sonho pela última vez.

Mas vamos ao filme. Inspirado numa conspiração para tomada de poder pelo aristocrata Lucius Sergius Catiline na República Romana em 63 A.C., “Megalopolis” é apresentado como uma fábula que se passa em uma Nova York apresentada como “Nova Roma” no terceiro milênio, quando a civilização está à beira do colapso e se tornou um galho frágil na árvore da vida, segundo uma das muitas metáforas e alegorias que Coppola usa como alerta para o futuro da humanidade.

Adam Driver é Cesar Catiline, o arquiteto e sobrinho do poderoso Crassus (Jon Voight), o milionário que controla a cidade em tempos de crise econômica, e sonha em remodelar a cidade a partir de uma substância mágica capaz de redefinir o tempo, criada por ele. “Não vou deixar o tempo ter controle sobre meus pensamentos”, repete Cesar para si mesmo diversas vezes. Julia (Nathalie Emanuel), a filha do prefeito, se envolve com ele em uma relação sem muita lógica, mas tudo no filme está a serviço da mensagem que Coppola que transmitir. Enquanto coloca seu filho recém-nascido no colo do avô, ela diz: “Você está segurando o futuro em suas mãos, não quer um futuro melhor para ele?”. Soa tão pueril que é duro lembrar que Coppola escreveu isso.

Crassus se vinga dos que tentam lhe trair aplicando flechadas com um chapéu a la Robin Hood. É para ser engraçado? Ou é apenas constrangedor? Em outro momento, vemos estátuas gigantes representando a Justiça ganhando vida e desmoronando. Há uma Virgem Vestal, cuja pureza angelical é utilizada como instrumento para arrecadar fundos para a construção de Megalopolis durante um espetáculo beneficente. A canção maçante, com coreografia e adereços de estética cafona ao estilo Cirque du Soleil, é apresentada na íntegra no filme, enquanto personagens mais interessantes, como a jornalista sedutora e interesseira Wow Platinum (a ótima Aubrey Plaza) desaparece durante boa parte da narrrativa, revelando um desequilíbrio típico de filmes que precisaram passar por uma edição à fórceps. Ao longo do filme, vemos um satélite nuclear russo se aproximando da órbita terrestre, o que é visto com preocupação pelos personagens, mas fica nisso.

Os delírios megalomaníacos de Cesar, assim como sua obsessão por controlar o tempo, podem ser explicados freudianamente pela rejeição da mãe, que revela que preferia ter sido conduzida ao hospital para tratar de uma estomatite do que para dar à luz ao filho. As citações que Coppola empilha são muitas, algumas literais, indo de Shakespeare a Ralph Waldo Emerson e Rousseau.

Em um dado momento da projeção, um ator quebrou a quarta parede e entrou no palco da sala de cinema em Cannes para, munido de um microfone, dialogar ao vivo com o que o personagem de Adam Driver dizia na tela. Uma experiência estética inusitada e sem o impacto pretendido pelo diretor.

Uma das últimas frases recitadas como um alerta é “Ainda há tanto a fazer, mas haverá tempo?”, o que parece claramente uma preocupação do próprio Coppola enfatizada reiteradamente ao longo da narrativa, até a cartela final, que clama “Por um mundo indivisível, com amor, educação e justiça para todos”. O que sabemos é que, fora da tela, o tempo é implacável, até com Coppola. Mas “Megalopolis” estará na história para a eternidade, e só por isso ele já merece aplausos.



(Texto originalmente escrito e publicado em maio de 2024, durante o Festival de Cannes)


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