Códigos de Guerra se propõe contar uma fascinante história sobre um fato quase ignorado da Segunda Guerra Mundial. Pouca gente conhece o episódio do código americano baseado na língua dos índios navajos. Um código que os inimigos nunca conseguiram decifrar. Infelizmente, os americanos, com raras exceções, continuam não acreditando que grupos minoritários sejam capazes de relatar suas próprias experiências. Ben Yahzee (Adam Beach) e Charles Whitehorse (Roger Willie) não chegam a ser realmente navajos, no filme. São navajos vistos por fuzileiros navais brancos. E são coadjuvantes, quando deviam ser protagonistas.
Nicolas Cage (que anda caindo em algumas armadilhas) é o protagonista, na pele do Sargento Joe Enders. Alguns pensam que talvez ele seja um psicopata. Nós temos certeza. Ele arfa e sorri, seus olhos brilham quando mata pessoas. Inimigos, claro. Criador de problemas na vida civil, é apresentado à platéia, logo no início, como um militar defendendo, de forma suicida, uma posição estratégica absolutamente indefensável, contrariando o pedido de todos os seus comandados para baterem em retirada. E quando estes são finalmente trucidados, o sargento é o único a escapar. Ferido no ouvido e na consciência. Sentindo-se ensurdecido e culpado.
Mas, ajudado por uma enfermeira apaixonada (Frances O´Connor), consegue enganar os médicos e voltar para a frente de batalha. A contragosto, sua missão passa a ser a de proteger o navajo Ben, um dos encarregados das transmissões em código. Na realidade, o que ele protege é o próprio código, já que sua ordem velada é a de não permitir que o índio seja capturado para que, sob tortura, o segredo não seja revelado. Mesmo que precise matá-lo para que isso não aconteça. Nas ilhas Solomon, do Pacífico, o clímax acontece na batalha de Saipan, uma colina cuja conquista significaria um grande avanço estratégico contra os japoneses.
Por si só, o episódio do código navajo justificaria um filme. Ficção ou mesmo um curioso documentário. Mas o realizador da empreitada foi o superestimado John Woo, perito em filmes de ação de Hong Kong, descoberto, há quase dez anos, pela indústria cinematográfica americana. Em Códigos de Guerra, ele novamente se preocupa mais com a pirotecnia de balaços e explosões e os confrontamentos físicos – todos atiram saltando, como se dançassem – do que com a história e seus personagens e o que ela poderia render, dramática e cinematograficamente, se se limitasse à idéia inicial.
Recheado de clichês, tudo fica previsível. Personagens e situações são nossos velhos conhecidos. Não podiam faltar o soldado racista que acaba sendo salvo pelo próprio companheiro objeto de seu preconceito, o oficial que segue o regulamento acima de tudo, o retrato, com a família sorridente do soldado, guardado no capacete, a aliança que o recém-conhecido deve "entregar à minha esposa, caso algo me aconteça".
Códigos de Guerra ainda se utiliza de cenas claramente manipuladoras e definitivamente irresponsáveis, principalmente as que envolvem crianças. O sargento encontra um menino ferido, no colo da mãe, e o faz tomar um remédio que ele mesmo usa em momentos de tensão, provavelmente contra-indicado e perigoso para crianças. Pouco depois, um soldado consola uma menina que chora convulsivamente, provavelmente pela perda de um ente querido, dando-lhe pedacinhos de chocolate. Como são cordiais e humanos os rapazes de Tio Sam!
Há momentos que poderiam sobressair da mediocridade, como o dueto entre a flauta navaja de Whitehorse e a gaita de Ox (Christian Slater). Mas mesmo esses são prejudicados pela superficialidade dos personagens. Se o forte de Woo não é traçar retratos humanos, investigando causas dos comportamentos violentos que ele costuma estilizar, é também verdade que o roteiro de John Rice e Joe Batteer, calcado em fórmulas e pontilhado de clichês, não ajuda em nada. Parece basear-se em antigos filmes de guerra encomendados pelo Departamento de Estado americano, na década de 1940, para estimular o recrutamento dos jovens.
Pintando os japoneses como uma horda anônima de bandidos careteiros, o oriental Woo (nascido na China, criado em Hong Kong) nunca foi um americano tão "patriota". A violência gráfica de seus filmes anteriores prenunciava um filme de guerra. E neste, apenas algumas raras exceções de diálogos têm o nítido propósito de aparentar uma atitude politicamente correta de antibelicismo.
Em nível quase de um jogo de vídeo, a coreografia da violência, em Códigos de Guerra, ultrapassa até os limites do diretor. E ele ainda se dá ao luxo de cultuar a mesma cena de outros filmes seus, em que dois inimigos apontam armas, simultaneamente, um para a cabeça do outro. Uma assinatura? Um clichê particular?
Pra não dizer que não falamos de flores: é belíssima a seqüência inicial, uma panorâmica sobre Monument Valley, o recorrente cenário de filmes de Mestre John Ford. Continuamos esperando o grande musical de John Woo, em que ele empregará seu talento de coreógrafo no gênero indicado.
CÓDIGOS DE GUERRA (WINDTALKERS)
EUA, 2002
Direção:JOHN WOO
Roteiro: JOHN RICE e JOE BATTEER
Produção: JOHN WOO, TERENCE WANG, TRACIE GRAHAM, e ALISON ROSENZWEIG
Fotografia: JEFFREY KIMBALL
Montagem: STEVEN KEMPER, JEFF GULLO e TOM ROLF
Música: JAMES HORNER
Design de Produção: HOLGER GROSS
Elenco: NICOLAS CAGE, ADAM BEACH, CHRISTIAN SLATER, PETER STORMARE, NOAH EMMERICH, ROGER WILLIE, FRANCES O´CONNOR
Duração: 134 minutos