Poucos filmes justificam a definição de “documentário sobre a memória” como Pretérito Perfeito.
Gustavo Pizzi convidou antigos freqüentadores e funcionários da Casa Rosa, célebre prostíbulo da Rua Alice (bairro de Laranjeiras, Rio) para revisitarem suas dependências. Encerradas as atividades pecadoras no início dos anos 1990, a casa é hoje local de festas e centro cultural alternativo. Quando Pizzi filmou, em 2004, ainda se mantinha boa parte da decoração dos velhos tempos. O suficiente para confundir um ex-cliente quanto ao quarto exato em que ele fez sua iniciação sexual.
Não há material de arquivo nem ênfase didático-histórica. Fazer os personagens entrarem na casa, subir escadas, percorrer corredores e entrar de porta em porta é o procedimento básico para acionar os mecanismos da memória. É o que leva, por exemplo, o cartunista Lan a recordar o vexame que deu ao cair no sono durante o horário de serviço da profissional contratada. Ou o roqueiro Lobão a lembrar que, em sua primeira visita, ainda virgem, tudo o que soube pedir foi um guaraná champagne.
Esses depoimentos têm sabor de flagrantes porque não parecem obedecer a uma pauta de pesquisa prévia, mas à emoção que o cenário traz de volta. São falas permeadas pela hesitação, o esquecimento e a dissimulação vocabular. Nesse processo mnemônico, vêm à tona detalhes ternos ou hilariantes sobre os hábitos da era de ouro dos rendez-vous, o encantamento com a orquestra, o atendimento especial a clientes vips, a visita de jogadores do Fluminense. Não faltam histórias de morte – e naturalmente de putas-fantasmas que, dizem, assombram ainda hoje os cômodos mais íntimos da mansão do amor.
Como contraponto à presença dos velhos guerreiros na casa, Pizzi mostra o trajeto de Ivanilda, de carro, por alguns pontos de prostituição da cidade. Aos 65 anos, presidente de uma ONG de apoio à classe, Ivanilda nos oferece um raro insight do dia-a-dia de uma prostituta aposentada. Quando ela enfim chega à Casa Rosa, é o clímax do filme. Sua relação com o lugar dá margem a um bonito momento de reflexão e despimento emocional.
Pretérito Perfeito, concluído em 2006 sem qualquer patrocínio ou verba pública, não tem na qualidade técnica da imagem seu principal trunfo, mas sim no imenso poder de reconstituiçãoda palavra. Desde que pré-estreou o filme, no início do ano, Pizzi eliminou um prólogo supérfluo, afinou a estrutura geral e adicionou belas imagens de abertura e encerramento. O que era bom ficou ainda melhor: o saboroso flashback de uma época em que o sexo pago era pura transgressão e glamour. E a cafetina era chamada de “tia”.
PRETÉRITO PERFEITO – O FILME DA CASA ROSA
Brasil, 2008
Direção, produção, roteiro e montagem: GUSTAVO PIZZI
Fotografia: PAULO CASTIGLIONI
Duração: 73 minutos