Críticas


AINDA ORANGOTANGOS

De: GUSTAVO SPOLIDORO
Com: KARINA KAZUÊ, LINDON SHIMIZU, ARTUR JOSÉ PINTO
07.11.2008
Por Carlos Alberto Mattos
PORTO ALEGRE SEM BOTÃO DE STOP

Dada a extensão limitada do rolo de película, um longa-metragem em um único plano-seqüência era coisa impensável antes do advento do vídeo. Para sugerir o efeito de ação contínua em 1948, Alfred Hitchcock, em Festim Diabólico, precisou dissimular quase todos os nove cortes entre um e outro rolo de filme. Recentemente, as tomadas de mais longa duração ficaram possíveis e tecnicamente qualificadas através do vídeo digital.



Arca Russa, de Alexander Sokurov (2002), tornou-se um marco pelo sofisticado aparato mobilizado para contar um bom pedaço da história russa com um plano contínuo de mais de 90 minutos pelos salões do Museu Ermitage. Dois anos antes, Mike Figgis (não) montou Timecode com quatro planos-seqüência rodados em simultaneidade e exibidos também ao mesmo tempo, fazendo com que as ações se cruzassem de um plano a outro.



São procedimentos que, de tão extravagantes, acabam chamando atenção mais para si mesmos do que para a trama ou o tema dos filmes. Cada iniciativa desse tipo requer, portanto, um foco de interesse forte na dramaturgia para não cair na esterilidade. Ainda Orangotangos não descuidou dessa premissa, apoiando-se nos contos originais de Paulo Scott.



Filmes em um só plano-seqüência têm caído nas graças de curta-metragistas brasileiros. Cavi Borges e o próprio Gustavo Spolidoro são cultores dessas experimentações. Mas Ainda Orangotangos é o primeiro longa brasileiro sem cortes. Se bem que...



... dizer que não há cortes nesse filme é quase mentir. Ninguém aperta o stop da câmera, ok, mas o espectador é confrontado com diversos “cortes” de história, de personagens, de locações, de tempo, de gênero, de estilo. Há mesmo um extraordinário “corte” de dimensão, com a câmera literalmente invadindo o sonho de uma personagem. Até o título do filme e a performance da trilha sonora estão integrados a essa ação ininterrupta que nos carrega através da cidade de Porto Alegre, passando pelo metrô, ônibus, carro, ruas, parque, mercado, apartamentos. Tem gente que morre, gente que discute, gente que ama, que sonha, que muda de vida na última hora.



O plano-seqüência, aqui, não é indexador de unidade temporal nem componente de uma ética de linguagem. Em 80 minutos, percorremos um tempo dramatúrgico de 14 horas, sinalizado por elipses cronológicas sem corte. A continuidade não quer provar autenticidade nenhuma, mas dinamizar um fluxo de pequenas tramas que o espectador apanha já começado e abandona a meio caminho quando o filme/plano termina.



No fundo, dirão alguns, Spolidoro fez mais um punhado de curtas emendados um no outro. A impressão é justa, embora alguns personagens reapareçam e a continuidade do plano confira certo estatuto de uniformidade. Mas são os “cortes” internos à tomada que acabam fragmentando o todo, para o bem e para o mal.



Seja um longa ou vários curtas, Ainda Orangotangos tem seus trunfos no esforço de planejamento e na qualidade da execução. Suas referências quase veladas a filmagens pioneiras como A Chegada do Trem à Estação de La Ciotat e O Regador Regado, dos Irmãos Lumière, dizem do entusiasmo de Spolidoro em brincar de reinventar o cinema.





AINDA ORANGOTANGOS

Brasil, 2007

Direção:
GUSTAVO SPOLIDORO

Roteiro: GIBRAN DIPP e GUSTAVO SPOLIDORO a partir do livro homônimo de PAULO SCOTT

Fotografia: JULIANO LOPES FORTES

Direção de arte: LUIZ ROQUE

Desenho de som: CRISTIANO SCHERER

Elenco: KARINA KAZUÊ, LINDON SHIMIZU, ARTUR JOSÉ PINTO, KAYODÊ SILVA, JANAÍNA KREMER, RENATA DE LÉLIS, NILSSON ASP, ARLETE CUNHA, LETÍCIA BERTAGNA, ROBERTO OLIVEIRA, MARCELO DE PAULA, GIRLEY PAES, HEINZ LIMAVERDE, RAFAEL SIEG, JULIANA SPOLIDORO

Site oficial: clique aqui

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário