É no mínimo curioso assistir ao documentário Panair do Brasil justo no momento em que a Varig também começa a se transformar num retrato na parede – e como dói. Doeu também em 1965, quando a Panair deixou de voar para dar lugar justamente às pretensões de hegemonia da Varig.
Até então, a Panair, depois de nacionalizada, era o símbolo não só da aviação brasileira, como de um projeto de integração nacional e mesmo de um estilo de vida - o charme de uma época em que viajar de avião tinha charme. O folclore em torno da companhia tem passagens deliciosas, envolvendo artistas, políticos e celebridades. Parte ficou no notíciário da época e no acervo publicitário da empresa. O filme de Marco Altberg deita e rola nessas preciosidades e sai atrás de quem viveu e testemunhou tantas histórias.
De alguma maneira, Panair do Brasil é um filme de família. Altberg é casado com Maíza Figueira Mello, neta do principal acionista da empresa, Celso da Rocha Miranda. Foi ela quem o procurou para produzir o filme, e a produção virou casamento. Isso não mereceria destaque se não acarretasse vantagens e desvantagens para o filme. As principais vantagens: o acervo Panair estava “em casa”, e o acesso franqueado à comunidade Panair – entre 300 e 400 ex-funcionários que se reúnem mensalmente há mais de 40 anos para festejar a memória da companhia e aspirar a seu renascimento. É a história de um mito, enfim.
A desvantagem do fator doméstico foi uma certa reserva em aprofundar as razões políticas que levaram o governo militar a perseguir a Panair até a falência e mesmo depois dela. A ênfase acaba recaindo nos aspectos de concorrência comercial, com o apoio dos militares à Varig aparecendo sob o pretexto de uma política nacionalista. Não é citado no filme, embora o seja por Altberg em entrevistas, o apoio do grupo Panair a uma embrionária candidatura de Juscelino Kubitscheck à presidência em 1965.
Isso e algo mais é contado no livro Pouso Forçado, do jornalista Daniel Leb Sasaki, que levantou toda a história e o processo judicial. O doc em parte se baseia nesse livro, mas se reacomoda nos limites mais cautelosos de uma edição de depoimentos pautada, de alguma forma, pelo ponto de vista dos protagonistas.
A certo momento do filme, o saudoso Artur da Távola fala do silêncio que existe a respeito da violência jurídica – sem sangue – da ditadura. O caso da Panair certamente se enquadra aí. Panair do Brasil tem um imenso valor documental e simpatia de tom, mas ficou a um passo do filme definitivo sobre o assunto.
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PANAIR DO BRASIL
Brasil, 2007
Direção e roteiro: MARCO ALTBERG
Produção: MARCO ALTBERG, MAÍZA FIGUEIRA MELLO
Fotografia: TOTA PAIVA
Edição: LUIZ GUIMARÃES DE CASTRO
Música: MILTON NASCIMENTO
Duração: 71 minutos