Críticas


CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON, O

De: DAVID FINCHER
Com: BRAD PITT, CATE BLANCHETT, TILDA SWINTON, JULIA ORMOND
17.01.2009
Por Nelson Hoineff
O FIM E O COMEÇO

Creio que não há muita diferença em parar para ver que novas maldades Flora será capaz de fazer, ou acompanhar os bailes que se seguem à posse de um novo presidente americano. Num caso e noutro, o espectador aceita um pacto vertical com o show que lhe está sendo oferecido. Apresenta-se como um fantoche que se resigna a ser manipulado pelo espetáculo. Não há nada de mal nisso, exceto pelo fato de que ele abra mão da sua capacidade de pensar. Aceitar o papel de massa de manobra não é delituoso. É uma decisão defensável, por certo bastante confortável, mas que de alguma forma me soa desonrosa. Se não fosse por outra razão, porque há algo no mundo além do espetáculo da dominação das emoções.



Esse espectador está para o manipulador de suas emoções assim como o viciado em crack está para o traficante. Penso que não há nada de errado em se drogar; mas vidas inteiras podem ser destruídas pela forma como o comercio das drogas age sobre os consumidores. Conheço muitos drogados, e no entanto não convidaria um traficante para jantar na minha casa. É uma diferença sutil, mas é a diferença.



O Estranho Caso de Benjamin Button é um filme que trafica emoções – e o faz com o mesmo descaramento de uma novela das oito ou de um baile encenado para o mundo chorar. Mais do que simplesmente um filme ruim, portanto, é uma obra danosa para o crescimento de um ser humano. Se fosse uma pessoa, não deixaria senta-la à minha mesa.



O intrigante é que Benjamin Burton faz tudo de forma primária, às claras – e ainda assim consegue uma grande legitimação crítica. Ganha indicações ao Oscar e muitos outros prêmios. Prêmios são reconhecimento. Em vários casos, como no Oscar, montados pela indústria, mas fundamentados na premissa do reconhecimento. Exatamente a que se está reconhecendo?



É um caso diferente de, por exemplo, Se eu fosse Você-2. Faz muito sucesso, mas todo mundo sabe que é ruim. É feito para ser ruim e não se comportar como se não fosse, para tirar proveito do espectador que foi educado sob uma dramaturgia de terceira classe, que o filme simplesmente reproduz.



A cinematografia hollywoodiana, por sua vez, não se fundamente em dramaturgia de terceira classe. É dali que saem obras-primas como Onde os Fracos não tem vez e Sangue Negro, só para ficar em participantes do Oscar do ano passado. É uma das maiores indústrias do mundo, mas que estabeleceu, muitas vezes, um pacto de excelência com o espectador. É para legitimar esse pacto que foram criadas formas de reconhecimento, como premiações.



Não sei o quanto há de Fitzgerald na adaptação levada às telas por David Fincher. Mas sei o quanto há, no filme, das telenovelas que colaboram para sugar o cérebro de milhões de brasileiros todas as noites. Na espinha dorsal da história contada, um personagem nasce velho e vai rejuvenescendo, enquanto todos à sua volta seguem o ritmo normal do tempo. Esta é a base do conto de Fitzgerald exceto pelo fato de que, no conto, Benjamin nasce um homem velho e, no filme, é um bebê com sinais de envelhecimento precoce. Em algum momento, a vida do personagem e as dos demais vai se cruzar. Uma lagartixa levaria dez segundos para perceber isso. Fincher repete a informação mais de 30 vezes, ao longo dos intermináveis 165 minutos que cada um de seus personagens leva para viver e morrer – seja da infância para a velhice, ou da velhice para a infância.



Fitzgerald escreveu uma pequena farsa de humor. O filme transformou-a numa dissertação sobre a vida. Não tenho idéia da função do furacão Katrina, que lhe serve de pano de fundo. Katrina, aliás, é também o tema de Trouble the Water, um documentário igualmente estúpido que também ganhou indicação ao Oscar deste ano.



O que sei é que a leitura monocórdia de seu diário, feito pela pessoa que ali vai se descobrir sua filha, frente à mãe moribunda, é constrangedoramente primária. Perde apenas para considerações esparsas sobre o tempo, que parecem saídas dos filósofos do BBB. Fincher é um diretor supervalorizado, que costuma impressionar bem menos pelo que fez do que pelo que não conseguiu fazer. Filmes como Zodíaco ou Clube da Luta parecem muito mais projetos do que obras terminadas. Benjamin Button, em compensação, termina umas quatro ou cinco vezes – mas já na primeira percebemos que estamos sendo fraudados, porque o fim só vai se dar quando a paternidade do narrador for revelada e os dois ex-amantes morrerem ao mesmo tempo – uma de velhice, o outro de juventude.



É praticamente explícita no filme a cartilha em que Eric Roth se inspirou para escrever Forrest Gump. Hollywood permite que Tom Hanks seja um autista da mesma forma como Brad Pitt seja um velho decrépito. Filmes como Benjamin Button acenam para a possibilidade que isso seja o fim de tudo, quando na verdade é apenas o começo.



# O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON (THE CURIOUS CASE OF BENJAMIN BUTTON)

EUA, 2008

Direção: DAVID FINCHER

Roteiro: ERIC ROTH, ROBIN SWICORD

Produção: CEÁN CHAFFIN, KATHLEEN KENNEDY, FRANK MARSHALL

Música: ALEXANDRE DESPLAT

Fotografia: CLAUDIO MIRANDA

Elenco: BRAD PITT, CATE BLANCHETT, TILDA SWINTON, JULIA ORMOND

Duração: 165 minutos

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