Fumando Espero, documentário de Adriana Dutra sobre o tabagismo, tem tudo para agradar o grande público. É ágil, informativo, atual, descontraído sem ser descomprometido, informal sem cair na banalidade. Com um discurso mais afeito à televisão que propriamente ao cinema, convoca depoimentos médicos, testemunhos pessoais, números, estatística, cenas de filmes, imagens de arquivo e recursos gráficos para contar a história de como o vício do cigarro se instalou entre nós. Como pano de fundo de tudo isso, a luta pessoal da própria diretora do filme contra o vício.
Da mesma maneira como Jonathan Nossiter, em Mondovino, partiu pelo mundo tentando mapear os rumos que o sistema capitalista determinou para a cultura do vinho, Adriana – em uma escala menor e menos global - também busca aqui dar conta da forma como o cigarro se tornou quase marca registrada de uma sociedade mergulhada em propaganda e consumo. A estrutura narrativa do filme está concentrada tanto na exploração de uma genealogia do hábito de fumar – ou seja, em esboçar uma explicação para o vício – quanto na construção de uma historiografia do tabagismo.
Logo na primeira consulta com a médica, Adriana diz que “armou todo esse circo” para parar de fumar. Mas é no decorrer do filme, e especialmente nas falas dos entrevistados, que a frase ganha legitimidade: parar de fumar é empreitada que pede o mesmo empenho, as mesmas coragem, força e determinação de fazer um filme. E haja adesivo de nicotina, teste de esforço, chiclete e trocas de experiência que dêem conta de uma separação tão dolorosa – sim, porque o cigarro é o grande protagonista de todas as histórias, companheiro nos momentos de tensão, amigo nas horas de angústia, amante carinhoso e cúmplice, que testemunha calado os intermezzos da vida. Entre queixas de dedos amarelecidos, sensações etéreas, corpos fétidos e olhos lacrimejantes, se percebe a força de um vício, de um hábito e de uma cultura. E a boa pegada do documentário é mostrar como essas linhas se cruzam, se confundem e forjam esse enorme caldeirão de encrencas que é o mundo contemporâneo e o homem que a ele pertence.
A lógica da montagem acompanha a lógica interna dos discursos dos fumantes e ex-fumantes: ainda que seja consenso geral que cigarro faz mal à saúde, jogue a primeira pedra quem já experimentou e que não deve a ele ao menos um bom momento na vida. Entre a moralização e a satanização do vício, nem mocinho, nem bandido, o cigarro é o que há de comum entre as diferentes experiências especuladas, inventariadas, teorizadas e historicizadas. É ao mesmo tempo o que as une e as individualiza. Veneno e remédio, problema e solução, saúde e doença, amor e ódio - é na abordagem de afetos extremos, que constroem e corroem cada um dos ´relacionamentos´ com o cigarro, que está a força do filme.
Ao se colocar na primeira pessoa, ao tornar sua história pública e parte de um tecido maior que ela própria – afinal, o que é o cigarro? – Adriana Dutra desloca a pauta política do documentário. Fumando Espero não é um filme que busca mostrar porque não se deve fumar, mas uma elegante, comportada e competente forma de perguntar: mas porque as pessoas fumam? Uma vez que se trata de uma busca para interrupção do vício, grande parte das histórias são rendentoras, e sinalizam para as diferentes maneiras em que se dá a conscientização, e as estratégias de resistência e adaptação desenvolvidas. E elas podem ser dramáticas como a imagem de um pescoço traqueostomizado, reflexivas como a descrição da fumaça penetrando o corpo, educativas quando explicam os centros de ativação fisiológicos mobilizados pelo cigarro, e até mesmo divertidas, como a última guimba heroicamente guardada (e datada) em um pote de maionese.
FUMANDO ESPERO
Brasil, 2008
Direção e roteiro: ADRIANA DUTRA
Fotografia: TAMUR AIMARA
Montagem: TUCO
Música: WELLINGTON SOARES
Duração: 96 minutos