Como documentário, They Killed Sister Dorothy é um incrível roteiro de ficção. Como ficção, é um assombroso retrato de quanto o real pode ser tão ou mais inverossímil que qualquer ficção. Dirigido por Daniel Junge e produzido por Nigel Noble (que por aqui já dirigiu Os Carvoeiros, em 1999), o filme acompanha os três anos de investigações e julgamentos dos acusados do assassinato da irmã Dorothy Stang, missionária americana de 72 anos, em 2005. O caso colocou em destaque o violento confronto no norte do país entre lideranças de programas sociais, como a irmã Stang, e fazendeiros e grileiros historicamente pouco interessados em projetos de redistribuição de terras ou de desenvolvimento sustentável – como os PDS, defendidos pela freira.
Em se tratando de uma produção americana, não é de todo estranho que o roteiro opte por evidenciar as falhas do sistema judiciário brasileiro e eleve Dorothy Stang ao status de mártir de uma causa. Assim, tendo como pano de fundo uma região “comparada com o oeste selvagem americano”, o documentário aponta para as deficiências de Estado, a devastação do meio-ambiente, a violência, o surrealismo dos processos judiciais, e a partir daí recorta mocinhos e bandidos para contar a estória.
Se o caso Dorothy Stang teve ampla repercussão midiática (entenda-se: gerou enorme quantidade de imagens), o documentário de Junge tem a vantagem de mostrar o lado B da disputa, os bastidores da ação: de um lado, os missionários americanos e membros dos PDS engajados em fazer justiça à missionária; de outro, um maquiavélico e inescrupuloso consórcio de fazendeiros e advogados com um arsenal de técnicas e discursos para ganhar a causa. O documentário é bem montado e tem ritmo, ainda que o efeito de suspense do julgamento seja mais eficaz por lá do que aqui, onde o resultado já é conhecido. Mas os registros de reuniões com, e entre, os advogados, nos lotes de terra, as performances nos tribunais e os depoimentos para a câmera têm todos um frescor e um sentimento de urgência muito grandes.
Aliás, Dorothy Stang tinha, ela mesma, uma justa relação de combate com as imagens: procurou se cercar o tanto quanto pôde de jornais, televisões e câmeras que pudessem testemunhar e registrar tanto sua luta quanto seus temores. Inúmeras são as imagens da freira, no documentário, comentando as ameaças de morte recebidas e justificando suas ações. Infelizmente, elas não bastaram para evitar sua morte.
MATARAM IRMÃ DOROTHY (THEY KILLED SISTER DOROTHY)
EUA, 2008
Direção: DANIEL JUNGE
Fotografia: MARCELA BOURSEAU
Montagem: DAVIS COOMBE
Música: PEDRO BROMFMAN
Narração: WAGNER MOURA
Duração: 95 minutos