Críticas


FILMEFOBIA

De: KIKO GOIFMAN
Com: JEAN-CLAUDE BERNARDET
01.05.2009
Por Patricia Rebello
SOBRE O IRREPRESENTÁVEL

Fobias são medos mórbidos, aversões irreprimíveis e incontornáveis; sentimentos fora de controle que por isso mobilizam e deslocam tudo aquilo que tocam. Há quem tenha medo de altura e de aranhas; de elevadores e de lugares escuros. E há, também, um seleto grupo que tem medo de filmes. Se por filmes definimos um registro fotográfico animado, ou uma quantidade de informação digital que se desenrola no tempo, as pessoas que têm medo de filmes têm por característica o medo de se deixar aprisionar por uma certa quantidade de imagem e de som, ou em se deixar reduzir aos limites do campo da tela.



Filmefobia, de Kiko Goifman, nem ficção nem documentário, nem ensaio nem narrativa, é uma experiência sobre o que constitui os bons personagens de documentário, e encena uma única possibilidade de imagem: aquela que foge ao controle, que não cabe em rótulos ou estereótipos. Uma imagem impossível e sem registro de origem, pura potência, para a qual não existem representações. E o que implica ter medo de se tornar imagem em um mundo como o de hoje, que se consome e se dá a consumir através de imagens?



Tudo isso é colocado em questão no mais novo trabalho de Kiko Goifman, artista multimeios, diretor de 33 e Atos dos Homens, que trafega em algum lugar entre o vídeo e o cinema, as galerias de arte e as salas escuras. O que, aliás, justifica grande parte das escolhas e estratégias que misturam atores e não-atores no filme. A sinopse anuncia Filmefobia como o making of de um documentário fictício que busca explorar, através de uma série de dispositivos e instalações, os limites psicológicos dos doentes, ao confrontá-los diretamente com seus medos. É nas variações minimalistas sobre a fobia que se prolongam ao longo do filme, de sintaxe despojada e áreas de indeterminação narrativa, que se joga esse jogo.



Além desse registro, acompanhado de perto pelo diretor (fictício) Jean-Claude, interpretado pelo (nada fictício) teórico Jean-Claude Bernardet, o filme consome sua própria realização na análise das cenas gravadas e na discussão da equipe sobre os processos e as verdades que são forjadas para a câmera. É dessa simbiose de confrontos que nasce o veio teórico de Filmefobia, para além de tudo, um excepcional momento de reflexão sobre produção de imagens e representação. Até quando um falso fóbico pode produzir uma emoção verdadeira? Pode uma imagem dar conta de uma emoção? Até que ponto uma fobia não é uma imagem, uma forma de se perceber em relação ao mundo e às coisas?



Em 1967, o filósofo francês Guy Debord escreveu que na base do espetáculo está uma especialização de imagens que se destacam do fluxo comum da vida e, com isso, forjam uma ilusão de realidade. Dessa lógica, se conclui a falsa ideia de que temos fatos e acontecimentos sob controle. Por isso, a frase que conduz o filme, “A única imagem verdadeira é a de um fóbico diante de sua fobia”, tem o poder acachapante de matar qualquer perspectiva de representação. Ao contrário dos documentários que investem nos processos como uma forma de construção de verdades, Filmefobia investe na construção de uma verdade – a imagem do fóbico – como lógica do processo. Nada mais verdadeiro, e ao mesmo tempo mais falso, que uma fobia. É na total impossibilidade de forjar a representação dos momentos mais intensos e significativos do humano que está a história do filme.





FILMEFOBIA

Brasil, 2008

Direção:
KIKO GOIFMAN

Roteiro: HILTON LACERDA, KIKO GOIFMAN

Fotografia: ALOYSIO RAULINO

Edição: VANIA DEBS

Direção de arte: CRIS BIERRENBACH

Desenho sonoro: LIVIO TRAGTENBERG

Elenco: JEAN-CLAUDE BERNARDET

Duração: 80 minutos

Site oficial: clique aqui

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