O Jean Charles de Menezes retratado por Henrique Goldman surge na tela como um sujeito bem-intencionado, disposto a ajudar todo mundo, que não perde o ânimo ao se desdobrar para se sustentar no exterior. O Jean Charles de Menezes da realidade, assassinado no metrô de Londres por agentes do serviço secreto britânico em 2005, era possivelmente tão carismático quanto o da ficção. Mas não há como deixar de reparar que o cineasta joga suas fichas na empatia do personagem para fazer com que o espectador simpatize com ele e se sensibilize diante de um desfecho já conhecido.
Os recursos empregados por Goldman são bastante visíveis. Na feitura do roteiro é possível perceber falas inseridas com objetivos determinados, como o de informar sobre um Jean Charles que se vira como pode, seguindo à risca os códigos do lugar para subvertê-los (“Mentira tem que ser bem contada. Se você contar em detalhes, acreditam”), e que vive o aqui/agora como se intuísse, longinquamente, seu trágico destino (“Não sei o que vai acontecer amanhã”). A mão de Goldman também aparece no modo como materializa por meio da técnica o entrelaçamento da crescente histeria coletiva frente aos atentados em Londres com o dia a dia de um indivíduo ambiciona apenas ganhar a vida – no caso, através de uma câmera que ora se distancia (através de panorâmicas da cidade), ora se aproxima dos personagens.
Ainda assim, Henrique Goldman contabiliza acertos ao apostar na discrição, em especial no que se refere à delicadeza com que transporta o envolvimento entre Jean Charles e a prima Vivian, recém-chegada em Londres. O cineasta chega a evocar alguns filmes de Stephen Frears (creditado aqui como um dos produtores executivos), como o ótimo A Grande Família . E o filme cresce graças às interpretações do elenco, que oscilam entre trabalhos de composição – Selton Mello, com a competência habitual, reconhecível por meio de certos efeitos que extrai da voz, e Luís Miranda, jogando para a plateia em seu trânsito fluente entre o hilariante e o pungente – e expressivas não-atuações – Vanessa Giácomo, dando a impressão de não interpretar, mas sim pertencer ao contexto no qual está inserida, e Patrícia Armani, prima de Jean Charles.
# JEAN CHARLES
Brasil, 2009
Direção: HENRIQUE GOLDMAN
Roteiro: HENRIQUE GOLDMAN, MARCELO STAROBINAS
Produção: CARLOS NADER, HENRIQUE GOLDMAN, LUKE SCHILLER
Produção Executiva: NICKI PARTIFF, REBECCA O’BRIEN, SEPHEN FREARS, TRISTAN WHALLEY
Fotografia: GUILLERMO ESCALÓN
Música: NITIN SAWHNEY
Elenco: SELTON MELLO, VANESSA GIÁCOMO, LUIS MIRANDA, PATRICIA ARMANI
Duração: 93 minutos