Independente do resultado, a experimentação tem norteado a obra de Steven Soderbergh desde que se tornou o cineasta prodígio da América ao vencer a Palma de Ouro em Cannes com sua estreia, sexo mentiras e videotape (1989). Porém, atualmente, a sua investida em filmes com propostas mais comerciais, como a série Onze Homens e um Segredo (2001), têm gerado mais interesse do que projetos artísticos. É no despojamento e descontração de Doze Homens e Outro Segredo (2004) que Steven se aproxima de um resultado mais satisfatório do que em uma pretensiosa e desnecessária refilmagem de Solaris (2002) ou na tentativa frustrada de emular o cinema clássico americano em O Segredo de Berlim (2006), que nem chegou aos circuitos nacionais e foi lançado direto em DVD. Soderbergh produz intensamente e parece carregar um fardo com a láurea em tenra idade. Dessa forma, a sua filmografia trilha o caminho da irregularidade e só encontra sentido quando ele abandona o controle total e se permite a incursão em um determinado gênero para trabalhar obsessões e temas particulares sem um peso solene da obra de arte, caso de Irresistível Paixão (1998).
A câmera digital proporcionou a inúmeros cineastas uma forma de produzirem com constância e independência, sem precisarem recorrer tanto a editais, apoios externos e grandes estúdios. Para Soderbergh isso significou a oportunidade de rodar filmes de baixo orçamento entre cada grande produção, algo que veio construindo desde o início de carreira. Assim ele realizou Bubble em que trabalhou com não-atores e uma equipe mínima. A experiência se repetiu em Confissões de uma Garota de Programa (2009), que justamente é inferior a produção de 2005 porque Steven decidiu elaborar o conceito e trabalhar mais a dramaturgia: ao artifício do falso documentário, ele sobrepõe camadas de ficção que soam desajeitadas no quadro. Por trás de toda a mise-en-scène aos moldes do cinema de arte com planos desfocados, anteparos na frente da lente, elipses e montagem não-linear, há a construção de um drama banal de uma prostituta de luxo, com direito até abalo emocional por ela ter se apaixonado por um cliente. Desse choque não nasce um híbrido interessante de ficção e documentário, algo tão em voga nos dias de hoje, mas sim um filme imperfeito entre proposta e realização.
O tema de Confissões de uma Garota de Programa não é sobre a sexualidade humana, ainda que na superfície o desejo sempre vai estar latente entre os estereótipos de clientes, do boa-praça ao depravado, e a mulher-objeto, a prostituta de luxo Chelsea/Christine. Ao lado do hedonismo, do culto ao corpo e das marcas que ditam a moda – elementos que estão tão em evidência no filme quanto em diversos outros que versam sobre o mesmo assunto -, está um eixo psicanalítico em ser o outro(a): a garota de programa assume uma diferente personalidade para atender da maneira mais satisfatória possível a sua clientela. Estes, por sinal, querem encontrar aquilo que apreciam em outras mulheres em um só corpo. Apesar de não se fixar nesse ponto, Soderbergh registra um retrato íntimo de personagens solitários em espaços repletos de ostentação, porém vazios em seus interiores e descoloridos em seus entornos: há uma assepsia generalizada em quartos e restaurantes. Essa provocação, que evoca sexo mentiras e videotape, emerge de maneira sutil, mas é prejudicada pela obsessão do diretor em assumir um caráter de filme cult, com arrojo na montagem, que não acrescenta em nada através de sua não-linearidade; imagens construídas para demonstrar o olhar diferenciado do realizador; a crítica política às vésperas da eleição presidencial americana, que passa despercebida, incluindo uma gag no fim dos créditos; e a piscadela para o espectador antenado com o cinema contemporâneo ao colocar um personagem comentando O Equilibrista (2008), de James Marsh, que foi vencedor do Oscar na categoria documentário, que traz uma experiência semelhante ao cruzar a fronteira entre ficção e realidade. No caso de Soderbergh, o menos pode ser cada vez mais.
# CONFISSÕES DE UMA GAROTA DE PROGRAMA (The Girlfriend Experience)
EUA, 2009.
Direção e montagem: STEVEN SODERBERGH
Roteiro: BRIAN KOPPELMAN e DAVID LEVIEN
Produção: GREGORY JACOBS, MARK CUBAN e TODD WAGNER
Fotografia: PETE ANDREWS (pseudônimo de Steven Soderbergh)
Elenco: SASHA GREY, CHRIS SANTOS, PHILIP EYTAN, TIMOTHY DAVIS e PETER ZIZZO
Duração: 78 minutos
Site Oficial: http://www.girlfriendexperiencefilm.com/