Há um contraste entre a situação inicial dos personagens e a relação que o público é levado a desenvolver com Anticristo , novo e polêmico filme de Lars Von Trier. Depois da morte do filho, o marido (Willem Dafoe) decide tratar da mulher (Charlotte Gainsburg, melhor atriz no Festival de Cannes) durante o período de luto como se ela fosse sua paciente, valendo-se, para tanto, de um distanciamento artificial. Em contrapartida será impossível para o espectador manter-se distanciado das imagens de choque (extrema violência) que o cineasta faz desfilar a partir de determinado momento da projeção. Assistir a esse filme é uma experiência pela qual se suporta ou não atravessar.
Estruturado num crescente de tensão e intensidade (evidenciado na sequência dos capítulos – Luto , Dor , Desespero ), Anticristo inicia com um belo prólogo, em preto e branco, emoldurado pela música de Handel, e segue em tom menor com os personagens falando baixo em cenas de tonalidade acinzentada e som de ameaça de tempestade. É a fase do luto, na qual o marido se arvora de um falso controle em relação aos sintomas da mulher.
O tratamento informal e equivocado evolui para uma tentativa desastrada de desmascarar o medo, com os dois retornando até a casa isolada onde mãe e filho passaram o último verão juntos, numa região sugestivamente chamada de Éden. Aos poucos, o que havia de belo se torna medonho. “Eu pude ouvir o que não ouvia antes”, diz ela. Imagens radicais começam a vir à tona, remetendo ao corpo – galhos finos entrelaçados como veias, vísceras de animais a descoberto, fotos de dissecação – e sugerindo um desejo de Lars Von Trier de trabalhar a partir de certa noção de interioridade.
A força da culpa, em grau até então imprevisto, deflagra a explosão de fúria da mulher em meio a uma natureza temida como “a igreja de Satanás”. Talvez o fato de se referir a uma das bordas do mundo, o seu princípio (vide os personagens sem nome, a casa localizada numa região inabitada chamada de Éden que se converte em inferno e se torna habitável na cena final), explique, em alguma medida, a homenagem prestada ao cineasta Andrei Tarkovski, que também elegeu a natureza ao posto de personagem determinante em seus filmes e chamou atenção, ainda na década de 80, para o perigo do fim iminente em O Sacrifício .
# ANTICRISTO (ANTICHRIST)
Dinamarca/Alemanha/Itália/França/Suécia/Polônia, 2009
Direção e Roteiro: LARS VON TRIER
Produção: BETTINA BROKEMPER, META LOUISE FOLDAGER, PETER GARDE, MARIANNE SLOT
Fotografia: ANTHONY DOD MANTLE
Montagem: ANDERS REFN
Direção de Arte: TIM PANNEN
Elenco: WILLEM DAFOE, CHARLOTTE GAINSBOURG
Duração: 109 minutos