Críticas


DO COMEÇO AO FIM

De: ALUIZIO ABRANCHES
Com: JULIA LEMMERTZ, RAFAEL CARDOSO, FABIO ASSUNÇÃO, JOÃO GABRIEL VASCONCELLOS
09.12.2009
Por Leonardo Luiz Ferreira
COMERCIAL DA MARGARINA VIVER A VIDA

A arte em sua essência é provocadora. Mas uma certeza acompanha o artista: quanto mais se calcula a provocação menos efeito ela terá. Não há como premeditar os caminhos de uma obra a partir da escolha de um tema. No caso do cineasta Aluizio Abranches, a determinação de dois pontos polêmicos na sociedade gerou expectativa com relação ao seu filme, Do Começo ao Fim (2009). De um lado o relacionamento homossexual, que foi retratado poucas vezes na cinematografia nacional*, e de outro o incesto. Ao partir dessa premissa, Abranches sabia dos riscos que corria. Só que o desafio de transpor esse sonho acalentado para o cinema se transformou em um exercício estéril em que todos os elementos dispostos em cena estão sempre em dissonância com o que realmente deveria ser encenado.



O fenômeno rasteiro que se formou com relação ao filme, após a divulgação de algumas imagens, acaba sendo um bom mote para tudo aquilo que Do Começo ao Fim representa: uma tática publicitária ou não, conforme os produtores afirmaram durante o vazamento, ela vai de encontro inteiramente a estética predominante na produção. A obra está imersa em todo e qualquer tipo de filiação publicitária, como há muito não se via em um cinema denominado de arte: há desde a câmera lenta para flagrar a felicidade dos familiares à mesa, como uma propaganda de margarina, até a cenas plásticas envolvendo sexo entre homens em que o que importa é transformá-los em deuses gregos, como se chamasse somente a atenção para a “embalagem” e não para o “produto” em si.



O que interessa a Abranches é a composição de luz, a direção de arte para valorizar dotes físicos dos atores, e não a dramaturgia. Tudo que sobra e transpira de carne e desejo sexual em A Lei do Desejo (1987), de Pedro Almodóvar, está ausente em Do Começo ao Fim. Os personagens não sentem, eles sofrem como em uma telenovela medíocre. Ou seja, uma dor abafada e, por fim, inexistente pela falta de profundidade dos desenhos psicológicos internos.



O roteiro se desenrola, praticamente, como uma fábula homossexual em que a vida dos personagens é repleta de alegria e riqueza ao redor em um estereótipo típico de que os gays são pessoas sensíveis, cultas e de bom gosto – a cena de leitura de uma poesia da Hilda Hist chega a ser constrangedora, pois toda a força inserida nas palavras nunca se concretiza no filme, que parte de uma assepsia de consultório médico para poetizar de alguma forma às suas imagens. Já que a emoção não surge pelas cores ou pelas relações, então se investe em uma trilha incidental completamente fora do tom e que em nenhum instante agrega algum valor para a narrativa, na verdade, ela torna ainda mais gritante as escolhas equivocadas do diretor para com seu projeto de cabeceira.



Em As Três Marias (2002), Abranches já demonstrava que não conseguia encontrar uma forma adequada para seu conteúdo. Do Começo ao Fim é só mais uma constatação a respeito de suas limitações e afetações cênicas, que são, em sua grande maioria, desnecessárias. Para se contar uma história não é necessária a utilização de tantos acessórios, que só prejudicam e escamoteiam as reais intenções. Do Começo ao Fim se vende como uma ode ao amor livre e sem moralismos - no qual os familiares não julgam as escolhas dos seus filhos -, mas, na verdade, é uma love story tão ruim quanto qualquer telefilme de quinta categoria ou um romance pueril para adolescentes.



*Indicação de leitura: A PERSONAGEM HOMOSSEXUAL NO CINEMA BRASILEIRO, de Antônio Moreno, lançado pela editora EdUFF.



# DO COMEÇO AO FIM

Brasil, 2009.

Direção e roteiro: ALUIZIO ABRANCHES

Fotografia: UELI STEIGER

Produção: ALUIZIO ABRANCHES, FERNANDO LIBONATI E MARCO NANINI

Elenco: JULIA LEMMERTZ, RAFAEL CARDOSO, FABIO ASSUNÇÃO E JOÃO GABRIEL VASCONCELLOS

Duração: 90 minutos







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