Críticas


RITA CADILLAC, A LADY DO POVO

De: TONI VENTURI
Com: RITA CADILLAC, ROGÉRIA, DRAUZIO VARELLA
16.04.2010
Por Patricia Rebello
A DONA DA HISTÓRIA

Em tempos onde as fronteiras entre público e privado vão ficando a cada dia mais indistintas e porosas, “Rita Cadillac, a lady do povo”, documentário de Toni Venturi sobre a chacrete que melhor soube capitalizar os anos de rebolado, aposta na direção contrária: aqui, é Rita de Cássia Coutinho, a mulher por trás do mito, que se debruça sobre vida e obra, construída em colégios internos e ruas do centro do Rio; em cima de palcos, e em boates; em shows país afora, no cinema e na TV. É, basicamente, o olhar da dona da história sobre sua vida, e o vasto material de arquivo que foi produzido sobre sua imagem. O problema deste tipo de construção é que ele permanece mais interessado em organizar as idéias que a própria Rita tem sobre si mesma, que em pensar a vida da personagem à medida em que as coisas vão acontecendo, e a história se desenhando. O filme se preocupa mais em construir um elogio a Rita Cadillac, que em sua problematização; e isso cria, muitas vezes, o fantasma que assombra boa parte da produção de documentários biografias: uma falsa profundidade, que prefere investir na coleção de histórias. A idéia do ‘corpo’ como figura de ligação entre as diversas fases da vida de Rita fica aquém do esperado, em um filme que aposta mais nos testemunhos que na força das imagens.



Essa opção de direção, por si só, não destitui o filme. Mas é uma pena: Rita Cadillac é, indiscutivelmente, uma das musas do Brasil dos anos 1980, senhora absoluta das tardes do programa do Chacrinha, madrinha dos detentos do extinto presídio Carandiru; ao lado de Gretchen, Sharon e das meninas do Nahin, deu vida ao fenômeno das dançarinas-cantoras, as rainhas do rebolado que assolavam os programas de auditório da televisão brasileira. Junto do Boneco Fofão, da Magda Cotrofe, e do Flávio Cavalcanti, ela é quase um signo de uma época. Ela foi alguma coisa como um sintoma, e ao mesmo tempo um termômetro, de um país que já não cabia mais nos limites da ditadura política: desafiando a moral da censura em maiôs cavados, invadindo salas de estar com aquele derrière inconfundivel, emprestando sensualidade a um cinema brasileiro espremido entre as conquistas de linguagem do Cinema Novo e os arrochos do regime, sublinhando a ilusão da fartura que habitava os garimpeiros de Serra Pelada. E o melhor, sem nunca ter tido qualquer noção disso tudo.



Sem grandes erros, mas também sem acertos maiores, o filme de Toni Venturi, com cara e jeito de documentário feito para TV, é bem menos ousado que sua personagem. Apesar de trazer informações surpreendentes (como a revelação de que Rita trabalhou como garota de programa antes de ir para a TV, ou que teve o filho sequestrado pelo pai, seu primeiro marido), e gestos curiosos (quando ‘convida’ o namorado para o próprio casamento, o dele com ela), o documentário permanece na superfície dos acontecimentos. Ao criar um distanciamento entre a dona de casa que aparece no começo do filme e o furacão Rita Cadillac, Toni Venturi tira a graça e a leveza de se descobrir um dos melhores personagens que o cenário midiático contemporâneo brasileiro produziu.





RITA CADILLAC, A LADY DO POVO

BRASIL, 2007

Direção: TONI VENTURI

Roteiro:DANIEL CHAIA

Fotografia: JAY YAMASHITA

Produção:SÉRGIO KIELING

Elenco:RITA CADILLAC, ROGÉRIA, DRAUZIO VARELLA, HECTOR BABENCO, DJALMA LIMONGI BATISTA

Duração:75 minutos

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