Críticas


BRILHO DE UMA PAIXÃO

De: JANE CAMPION
Com: PAUL SCHNEIDER, ABBIE CORNISH.
09.07.2010
Por Maria Silvia Camargo
A NATUREZA DO AMOR

Uma preciosidade tenta permanecer em cartaz diante das grandes estréias das férias: Brilho de uma Paixão, de Jane Campion. , com fotografia e direção traduzindo magistralmente a obra do poeta inglês John Keats.



Keats (1795-1821) é a figura central da história, e, apesar de ter sido um poeta de vida curta e poesia eterna - como tantos deste período literário - gerou um filme muito diferente do convencional “filme de época”. Afinal, Campion se decidiu por filmá-lo depois de ler a correspondência entre Keats e seu único amor, Fanny Brawne, quando ele tinha 23 anos e ela, 18. E é com este olhar de pureza e juventude que a diretora trabalha.



Keats foi um órfão pobre, sustentado por um poeta medíocre, Charles Armitage Brown, que detestava Fanny e tudo o que poderia distrair o amigo de seu ofício. No filme, depois de tentar humilhá-la, Charles (Paul Schneider) recebe um empurrão de Keats (Ben Whishaw), que grita: “as coisas do coração tem uma santidade que você não conhece”. Esta é a frase-chave do relacionamento do casal. Eles não podem se casar, pois Keats não tem dinheiro (não conheceu o sucesso em vida) e nem consumar o amor, o que arruinaria as chances da moça (Abbie Cornish) de conseguir outro marido. Ao mesmo tempo, a paixão que sentem é o motor dos melhores poemas que este imortal representante do Romantismo inglês (junto com Byron) produziu. O relacionamento também é o que anima Fanny a costurar mais e mais roupas – ela era o que hoje chamamos de estilista talentosa.



Mas, como contar uma história de amor sem impostação ou clichês? Como representar o que Keats escrevia sem um personagem (ou narrador) lendo poesia? Como explicar inspiração, desespero? Jane Campion opta por mostrar tudo isto através da natureza. Como os personagens moraram realmente no campo, onde dividiam uma pequena casa (Fanny era a filha da proprietária), são as flores, as àrvores, o vento, a neve, que ajudam a história. Os movimentos de câmera são naturais e modernos, com muitos close-ups. A trilha sonora é sutil e só pontua. Pouco se fala e muito se vê, em cenas – como quando Keats representa um sonho que teve – de rara atmosfera.



A diretora já tinha conseguido ser fiel ao fluxo de pensamento de um escritor em Um Anjo em Minha Mesa (de 1990), onde conta a vida da autora neo zelandesa Janet Frame; só que Janet vivia na opressão dos hospícios. Depois deu voz a uma pianista muda (Holly Hunter) que, nos confins da Nova Zelândia em 1850 sofria com os desmandos do marido – o que, em 1993, lhe valeu a Palma de Ouro em Cannes. Pois, apesar de ter sido atraída a fazer o filme pela fala de um herói masculino (ela divide o roteiro com o biógrafo de Keats, Andrew Motion), em Brilho de Uma Paixão Campion revela a inédita Fanny Browne, outra mulher poderosa como tantas que já retratou.



Fanny vivia em Hampstead como uma alma livre, filha de uma viúva igualmente moderna para a época, apesar de a Era Vitoriana, aos poucos, estar tomando conta de Londres. Ela queria mais para as mulheres e, por isto, falava o que sentia e revolucionava aqueles vestidos estilo camisolão do começo dos 1800.



A interpretação da figurinista Janet Patterson para estas idéias lhe valeu uma indicação para o Oscar deste ano. Antes desta premiação, Jane Campion foi perguntada porque sempre retratava mulheres valentes, e respondeu: “Porque, apesar de tudo, ainda somos deixadas para trás e desvalorizadas. Nem uma única mulher ganhou o Oscar ainda, por exemplo”. Logo em seguida, Kathryn Bigelow quebrava esta barreira – com um "filme de homem", diga-se de passagem. Pois tomara que Mrs. Campion consiga continuar a produzir obras tão artesanais e universais quanto esta - e fature premiações melhores que os quatro British Indie Film Award que Brilho de Uma Paixão levou em 2009.



Uma dica final: os poucos versos de Keats em cena (só quando sobem as legendas há uma poesia inteira) são muito mal traduzidos. Traduzir poesia não é tarefa para o tradutor do filme. Vale recorrer aos poetas brasileiros, tradutores profissionais em verso; tem muita coisa já feita melhor do que o que se ouve !



# BRILHO DE UMA PAIXÃO (Bright Star)

UK/Australia/France, 2009

119 min

Direção: Jane Campion

Roteiro: Jane Campion e Andrew Motion

Fotografia: Greig Fraser

Figurino: Janet Patterson

Trilha Sonora: Mark Bradshaw

Edição: Alexandre de Franceschi

Produção: Jan Chapman e Caroline Hewitt

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