O Instituto Moreira Salles realiza, em parceria com a Cinédia e a Associação Brasileira de Cineastas, o Programa Moacyr Fenelon, nos dias 18 e 19 de agosto, que resgata a obra do diretor, produtor, roteirista e técnico de som. A programação (ver no final desta matéria)inclui sessões dos cinco filmes do diretor que foram restaurados pelo Instituto para Preservação da Memória do Cinema Brasileiro (IPMCB) e dois debates.
Os filmes incluídos no programa foram realizados na fase final da carreira do cineasta, de 1948 a 1951. Obrigado doutor, Poeira de estrelas e O dominó negro têm direção assinada por Fenelon; e dois filmes produzidos por ele: Estou aí?, de Cajado Filho, e A inconveniência de ser esposa, de Samuel Markenzon. Os títulos restaurados são documentos históricos da era de ouro do filme popular brasileiro e registram as mudanças sofridas na estrutura da sociedade brasileira após a segunda guerra mundial.
Na quarta, dia 18, logo após a exibição de O dominó negro, às 18h30, Hernani Heffner comanda o primeiro debate com o público sobre o tema O Cinema de Fenelon. Na quinta, fechando o programa, Luiz Alberto Rocha Melo participa de debate sobre o tema Lourdinha e Emilinha: Poeira de estrelas logo após a sessão do longa A inconveniência de ser esposa, que terá início às 18h.
MOACYR FENELON E OS FILMES DE CARNAVAL
(Texto de Hernani Heffner)
Após fundar o primeiro estúdio cinematográfico brasileiro de feição profissional em 1930, o jornalista, produtor e cineasta Adhemar Gonzaga viu-se frente ao dilema de que filmes oferecer ao público. Escolheu inicialmente um perfil de maior radicalidade estética, do qual resultou a obra-prima Ganga bruta, dirigida por Humberto Mauro, em 1933. Os resultados comerciais, entretanto, foram modestos e poderiam comprometer o vultoso empreendimento industrial.
Neste mesmo ano, procurando incorporar a tecnologia sonora ótica, em substituição a gravação do som em discos, lança um outro tipo de produto fílmico que obteria sucesso imediato e acabaria por configurar um universo cinematográfico particular, o longa metragem Voz do carnaval, co-dirigido por Gonzaga e Mauro. O que foi chamado na época de filmusical e pouco depois se assumiria como musicarnavalesco, desaguaria na década seguinte nas famosas chanchadas. A evolução de um “gênero” para o outro passa por um processo de acentuação dos elementos cômicos, inicialmente episódicos ou tratados como simples sketches, tornados centrais na chanchada, e pela progressiva depuração do elemento musical, essencialmente carnavalesco nos primeiros tempos, ainda que também ligado às indústrias fonográfica e radiofônica, e em seguida diminuído em sua presença na narrativa, desaparecendo de algumas delas a partir dos anos 50.
Houve uma feliz coincidência no fato de que o carnaval carioca se afirmou ao mesmo tempo que o cinema sonoro e a indústria fonográfica. O estabelecimento de uma época de ouro da música brasileira, entre os anos 30 e os anos 50, permitiu à Cinédia e aos demais estúdios em seguida, uma completa absorção desse processo cultural. Exemplo disso é a incorporação de um personagem recém-criado como protagonista de Voz do carnaval. O Rei Momo apresentava ao espectador as diversas dimensões do carnaval como festa pública e os sucessos daquele ano, filmados em cenários como “cassinos, rádios e teatros”. A fórmula em construção seria aperfeiçoada com a parceria entre Gonzaga e o norte-americano Wallace Downey, que juntos produziram Alô alô Brasil (1934), Estudantes (1935) e Alô alô carnaval! (1936), este último ápice e consagração deste modelo. Dirigido por Gonzaga, reúne 22 números musicais com o melhor casting musical da época, incluindo Carmen e Aurora Miranda, Francisco Alves, Dircinha Batista, Almirante, Lamartine Babo, Bando da Lua e Isaurinha Garcia, entre outros. Esta moldura logo seria seguida por outros estúdios como Brasil Vita Filme (Favela dos meus amores, Sonofilms (Banana da terra) e Atlântida (Tristezas não pagam dívidas).
De todas essas companhias, a que provavelmente mais se manteve fiel ao universo momesco, levando-se em conta o desaparecimento de grande parte da filmografia da época, foi a Cinédia. Na empresa de Gonzaga, a folia merecia um registro documental contínuo e rigoroso (Voz do carnaval se tornou a partir de 1934 um cinejornal especial apresentado logo após o término da festa) e se transmutava no estilo de cenários e figurinos, inspirados nos carros alegóricos e na decoração de rua, nas gírias incorporadas aos diálogos e na citação metalingüística de acontecimentos dos três dias de carnaval. Marco dessa metamorfose crescente é a encenação de seqüências ficcionais em meio à festa real, em Tereré não resolve (1938), dirigido por Luís de Barros, prefigurando em décadas a dissolução de fronteiras entre documentário e ficção. No ano seguinte surge o enredo matriz da maior parte dos filmes carnavalescos e que será encontrado mesmo em chanchadas tardias, como as estreladas por Zé Trindade, atingindo também a figura de Moacyr Fenelon, então às voltas com a necessidade de se reerguer através de nova empresa, a Cine Produções Fenelon. Trata-se do pioneiro Está tudo aí (1939), dirigido por Mesquitinha, cuja exemplaridade só encontra equivalente em outro filme rodado na Cinédia, Estou aí? (1949), iniciativa do ex-fundador da Atlântida. Os dois giram em torno de um par de maridos que resolvem cair na gandaia no carnaval longe das respectivas esposas, surgindo daí uma série de mal-entendidos, quiproquós e perseguições.
Do primeiro só sobraram fragmentos, mas após décadas de esquecimento, Estou aí? ressurgiu após o trabalho de recuperação de suas matrizes. É sabida a rejeição de Fenelon ao filme carnavalesco, tido por ele como mero caça-níqueis. Nesse sentido, o filme se torna ainda mais emblemático, evidenciando uma capitulação à pièce de résistence da época e ao mesmo tempo levando Fenelon a certos ousadias, ora com o intuito de superar determinados estereótipos sociais e morais, ora com o objetivo de experimentar certas soluções formais. Mesmo o carnaval surge aí em roupagem um pouco mais autêntica, pela presença no filme de um dos profissionais mais assíduos da festa, responsável pela criação dos cenários e figurinos e, estreando aqui na direção cinematográfica, José Cajado Filho. Com Fenelon o carnaval deixa de ser uma desculpa longínqua e se torna uma moldura mais próxima e eventualmente uma questão possível. Dentro do mesmo projeto foram também recuperados nesta esfera o musical Poeira de estrelas (1948), que enfatiza a figura humana por trás da artista personagem, por vezes presa ás engrenagens da indústria cultural e aos preconceitos, e o drama policial O dominó negro (1950), filme de mistério que se passa justamente nos três dias de carnaval e envolve um assassino fantasiado. Neste último, o carnaval encobre um outro mundo, mais sórdido, cruel e desigual, desenvolvendo uma trama em paralelo à festa que se não se chega a ser sua negação, a põe definitivamente em questão.
Filmes Recuperados
O projeto iniciado pelo Instituto para a Preservação da Memória do Cinema Brasileiro em 2006 e concluído em 2010, contou com o patrocínio do Programa Petrobras Cultural e investiu trezentos mil reais na recuperação de cinco títulos ligados a sua trajetória artística. As obras selecionadas cobrem o período menos conhecido de sua filmografia, entre 1948 e 1951, quando esteve à frente da Cine Produções Fenelon e da Flama Filmes.
A origem do projeto se prende à doação realizada em 2005 por Yedda Fenelon da titularidade e dos materiais fílmicos de seu pai ao Instituto para a Preservação da Memória do Cinema Brasileiro, presidido por Alice Gonzaga. Além do reconhecimento das ações do IPMCB em prol da preservação e difusão do cinema brasileiro, particularmente o antigo, havia também os laços de trabalho que haviam unido Fenelon ao pai de Alice, o cineasta e produtor Adhemar Gonzaga. Todos os filmes da Cine Produções Fenelon foram co-produzidos por Gonzaga e realizados nos estúdios da Cinédia. Era desejo de Yedda que os ideais e a obra de Moacyr Fenelon fossem perpetuados junto às novas gerações.
O Projeto de Recuperação da Obra de Moacyr Fenelon foi definido em função de dois critérios maiores: assegurar a imediata preservação das matrizes fílmicas sobreviventes e criar condições para a sua ampla circulação junto aos novos públicos. Um levantamento da vida e da obra de Fenelon foi efetuado e se constatou a perda da grande maioria de seus filmes como técnico, produtor ou diretor. Das diversas fases de sua carreira, a que permaneceu mais íntegra foi a ligada à Cine Produções Fenelon. Aliado ao desaparecimento da maior parte dos filmes em que trabalhou, houve também uma imensa dificuldade de acesso em relação aos sobreviventes devido à precariedade dos materiais existentes e à falta de cópias de difusão. O desconhecimento dos filmes em geral e da fase final de sua carreira em particular determinaram o foco do projeto e sua estruturação em termos de preservação e difusão.
BIOGRAFIA: MOACYR FENELON
Moacyr Fenelon de Miranda Henriques nasceu em Patrocínio do Muriaé (MG), em 5 de novembro de 1903, e faleceu em 14 de julho de 1953, no Rio de Janeiro. Sua trajetória ligou-se principalmente a música, ao rádio e ao cinema. Com formação em contabilidade, interessa-se em meados da década de 20 por sonorização, gravação e radiofonia. Torna-se um dos primeiros profissionais da área ao ingressar na Casa Byington, representante da Columbia Records, responsável pela introdução da gravação elétrica de discos no Brasil, os famosos 78 rpm. Fenelon torna-se rapidamente o melhor técnico de gravação musical do país, sendo o responsável pelo registro sonoro inicial de artistas como Noel Rosa e Vicente Celestino.
A passagem da Casa Byington a novos campos de atuação, como o rádio e o cinema, o leva a participar dos primórdios do cinema sonoro no Brasil. Fenelon grava o som de filmes como Cousas Nossas (Brasil, 1930, direção de Wallace Downey) e Alô, Alô, Carnaval (Brasil, 1936, direção de Adhemar Gonzaga), firmando-se como a melhor referência neste campo naquele momento.
Sempre acompanhando a dupla Byington/Downey, ele transfere-se para a Sonofilms, em 1937, e atua ainda como técnico de som, mas passa em seguida a gerente de produção e finalmente a diretor de cinema. Nesta época, sua liderança no meio cinematográfico já é incontestável, o que se evidencia por sua iniciativa na criação de um Sindicato de Técnicos Cinematográficos, do qual foi o primeiro presidente.
Entre os filmes que sonorizou, produziu ou dirigiu até 1940 sobreviveu completo apenas Alô, Alô, Carnaval, além de alguns fragmentos e da trilha sonora de Cousas Nossas. Com o incêndio da Sonofilms, neste mesmo ano, lançou-se ao seu maior projeto, a criação de uma companhia de cinema própria e com uma linha de produção voltada não só para o filme musical de ocasião, base de sustentação econômica da época, como para um retrato mais próximo da realidade sócio-cultural brasileira.
A materialização do sonho através da Atlântida Cinematográfica, fundada em 1941, foi possível graças a parceria com amigos como Alinor Azevedo e Arnaldo de Farias e ao apoio financeiro dos irmãos José Carlos e Paulo Burle.
Mais conhecida hoje como a companhia que consolidou a chanchada, a Atlântida manteve com muita dificuldade o perfil diferenciado proposto por Fenelon, mas o abandonou progressivamente após sua saída, em 1948. Houve resistências a um tipo de cinema em princípio menos comercial e também às suas vagas simpatias socialistas, que em verdade nunca resultaram em um cinema militante ou engajado politicamente.
As produções de caráter mais social que produziu e dirigiu como É proibido sonhar (1944), Gente Honesta (1944), Vidas solidárias (1945) e Sob a luz do meu bairro (1946), revelaram-se melodramas entremeados com números musicais e cujos enredos exploravam aqui e ali a crônica de costumes da baixa classe média. Fenelon ainda produziu e dirigiu Fantasma por acaso (1946), filme que lançou ao estrelato o cômico Oscarito, seu maior sucesso comercial e único título que sobreviveu deste período, e Asas do Brasil (1948), último trabalho na Atlântida.
A saída traumática levou-o à criação de nova companhia, a Cine Produções Fenelon, que em associação com a Cinédia foi a responsável pela produção de cinco títulos: Obrigado Doutor, Poeira de Estrelas, Estou Aí?, O Homem que Passa e Todos por Um. A interrupção dos trabalhos de estúdio da companhia de Adhemar Gonzaga, em 1950, e a venda de seus terrenos determinou o fim da parceria.
Fenelon associou-se então ao empresário e político Rubens Berardo, e fundou, em 1951, a Flama Produções Cinematográficas, onde realizou como produtor e/ou diretor sete filmes: Dominó Negro, A Inconveniência de Ser Esposa, Milagre de Amor, Falso Detetive, Com o Diabo no Corpo, Tudo Azul e Agulha no Palheiro,.
De todos os filmes, perderam-se completamente Todos por Um e Falso Detetive. Vários outros estão incompletos, sendo o caso mais grave o de O Homem Que Passa, cujo som se perdeu inteiramente.
Os únicos títulos que haviam passado por processo de duplicação e/ou restauração recente eram Tudo Azul e Agulha no Palheiro, aquele geralmente considerado o melhor filme de Fenelon como diretor - o filme de transição para o cinema moderno brasileiro por conta de sua temática social e da coloquialidade na fala, na interpretação e nas situações dramáticas.
PROGRAMAÇÃO:
Quarta 18
14h00: Poeira de estrelas
de Moacyr Fenelon (Brasil, 1948. 80’) .
16h00: Obrigado doutor
de Moacyr Fenelon (Brasil, 1948. 85’)
18h30: O dominó negro
de Moacyr Fenelon (Brasil, 1950. 85’)
20h00: O cinema de Fenelon
Debate com Hernani Heffner
Quinta 19
14h00: Obrigado doutor
de Moacyr Fenelon (Brasil, 1948. 85’)
16h00: Estou aí?
de Cajado Filho (Brasil, 1949. 105’)
18h00: A inconveniência de ser esposa
de Samuel Markenzon (Brasil, 1951. 71’)
20h00: O cinema na década de 1950
Debate com Luiz Alberto Rocha Melo
Lourdinha e Emilinha: Poeira de estrelas
Instituto Moreira Salles
Rua Marquês de São Vicente, 476. Gávea.
Telefone: (21) 3284-7400
www.ims.com.br
De terça a sexta, de 13h às 20h
Sábados, domingos e feriados de 11h às 20h
Acesso a portadores de
necessidades especiais.
Estacionamento gratuito no local.
Ambiente WiFi.
Capacidade da sala: 113 lugares.
Ingressos: R$ 10,00 (inteira). R$ 5,00 (meia).
Ingressos disponíveis também em
www.ingresso.com
Como chegar:
as seguintes linhas de ônibus
passam em frente ao IMS:
158 – Central-Gávea
(via Praça Tiradentes, Flamengo, São Clemente)
170 – Rodoviária-Gávea
(via Rio Branco, Largo do Machado, São Clemente)
592 – Leme-São Conrado
(via Rio Sul, São Clemente)
593 – Leme-Gávea
(via Prudente de Morais, Bartolomeu Mitre)
Ônibus executivo Praça Mauá - Gávea