Críticas


QUANTO MAIS QUENTE MELHOR

De: BILLY WILDER
Com: TONY CURTIS, JACK LEMMON, MARILYN MONROE, GEORGE RAFT
07.02.2003
Por Fernando Albagli
NINGUÉM É PERFEITO. SÓ BILLY WILDER.

"Ninguém é perfeito!"



A frase final que ficou famosa falada por Joe E. Brown (no Brasil apelidado carinhosamente de Boca-Larga) não define, absolutamente, Billy Wilder neste filme. Ele está perfeito. Como diretor, produtor e roteirista.



Quanto Mais Quente Melhor (Some Like It Hot), na carreira do pequenino judeu austríaco, é como um lado da moeda em que o outro é Crepúsculo dos Deuses. Uma das maiores comédias – o American Film Institute a aponta como a maior – e um dos maiores dramas do cinema americano. Ambos tratam de Hollywood. No drama, explicitamente: Sunset Boulevard, astros do cinema mudo interpretando astros do cinema mudo, um jovem roteirista e uma velha estrela, Cecil B. DeMille em pessoa. Na comédia como referência às grandes screwballs (comédias malucas) de várias épocas: alguma coisa de Keaton, alguma coisa dos Marx, alguma coisa de Hawks, tudo de Wilder.



Quanto Mais Quente Melhor começa como um típico filme de gângster – Lei Seca, anos 1920, Chicago. Dois músicos desempregados – Joe (Curtis) e Jerry (Lemmon) – assistem, numa garagem, ao célebre massacre do Dia de São Valentino.



Fugindo dos assassinos da quadrilha de Spats Columbo (Raft), que querem eliminar as incômodas testemunhas, os dois se travestem como componentes da banda feminina de Sweet Sue (Shawlee), transformando-se em Josephine e Daphne. E viajam com ela para a Flórida.



Os protagonistas são Curtis e Lemmon. Mas o filme só se define com a entrada de Marilyn Monroe (Sugar Kane), a crooner e tocadora de ukelele da banda. Revela, então, seu verdadeiro tema. Inspirada numa antiga farsa alemã - Fanfaren der Liebe - é uma comédia sobre sexo. E sobre os sexos.



Joe / Josephine se apaixona por Sugar. O milionário Osgood E. Fielding III (Brown), casado e divorciado sete vezes, se apaixona por Daphne / Jerry. Sugar se interessa por Joe, quando ele imita a sofisticação de Cary Grant e ela pensa que ele é um ricaço.



E o amor sempre vence. Os dois casais (?!) terminam felizes.



Com certeza a melhor comédia de homens travestidos, demonstra também a habilidade de Wilder em transformar a idéia de uma só piada num filme de duas horas. Sem se repetir, beirando sempre o absurdo sem nunca cair nele, num misto de irreverência e inocência.



Farsa total, mesmo nos momentos que poderiam ser românticos, como no encontro de Tony e Marilyn no iate, Quanto Mais Quente Melhor tem grandes achados no roteiro e pérolas nos diálogos. Mas, principalmente, é conduzido pela mão leve do diretor e se afirma nas interpretações. Curtis e Lemmon muito à vontade, Marilyn entre ingênua e sedutora, sensualíssima quando canta, elenco de apoio excelente.



As frases de humor, às vezes sutis, às vezes óbvias, são sempre muito bem colocadas e pronunciadas num timing perfeito, como se exige dos melhores comediantes. Basta lembrar Lemmon comentando com Curtis a primeira entrada de Marilyn, na plataforma da estação, andando à frente deles: "Olha como ela se mexe. Parece uma gelatina sobre molas".



É curioso lembrar que a primeira opção para a dupla masculina era Danny Kaye / Bob Hope e, mesmo quando descartada, Wilder queria Frank Sinatra e Mitzi Gaynor, em lugar de Lemmon e Monroe. Hesitava, particularmente, em trabalhar outra vez com Marilyn (tinha feito com ela O Pecado Mora ao Lado) e são famosos os artifícios que precisou usar para que ela não se esquecesse do texto.



O filme concorreu aos Oscars nas categorias de Diretor, Ator (Lemmon), Fotografia, Roteiro adaptado, Direção de arte e Figurinos, ganhando nesta última.



Ainda engraçadíssimo 43 anos depois, Quanto Mais Quente Melhor entrou definitivamente para a relação dos clássicos.





QUANTO MAIS QUENTE MELHOR (SOME LIKE IT HOT)

EUA, 1959

Direção: BILLY WILDER

Roteiro: WILDER e I.A.L. DIAMOND

WILDER, DIAMOND e DOANE HARRISON

Fotografia CHARLES LANG JR.

Montagem ARTHUR P. SCHMIDT

Música original: ADOLPH DEUTSCH

Música não-original: GUS KAHN, BERT KALMAR e LEO WOOD (canções) e não creditados: A.H. GIBBS ("Running Wild"), MATTY MALNECK ("I´m Through With Love") e HERBERT STOTHART ("I Wanna Be Loved By You")

Direção de arte: TED HAWORTH

Figurinos ORRY-KELLY

Elenco: TONY CURTIS, JACK LEMMON, MARILYN MONROE, GEORGE RAFT, JOE E. BROWN, PAT O´BRIEN, NEHEMIAH PERSOFF, JOAN SHAWLEE

Duração: 122 minutos









BIOFILMOGRAFIA DE BILLY WILDER





Samuel (Billy) Wilder nasceu na Áustria, em 22 de junho de 1906. Filho de um hoteleiro, abandonou a Universidade de Viena, depois de estudar Direito por um ano, para ser repórter de um jornal da capital.

Foi para Berlim, onde chegou até a ser dançarino profissional num hotel, para completar o orçamento, mas continuou trabalhando como jornalista e fez suas primeiras incursões no Cinema, colaborando como roteirista.



A primeira experiência foi no semidocumentário de Robert Siodmak Menschen am Sonntag,1929, em cujos créditos estão nomes como Curt Siodmak (co-roteirista), Edgar G. Ulmer (co-diretor), Fred Zinnemann e Eugene Shuftan (fotógrafos), todos, mais tarde, profissionais nos Estados Unidos. De 1929 a 1932, colaborou no roteiro de 11 filmes. Com a ascensão do nazismo ao poder, em 1933, teve que abandonar a Alemanha por ser judeu. Sua mãe e outros membros da família morreram em campos de concentração.



Já com Hollywood em vista, viveu alguns meses na França, co-dirigindo e co-roteirizando Mauvaise Graine, estrelado por Danielle Darrieux. Em 1934, chegou aos Estados Unidos. Depois de grandes dificuldades financeiras e algumas com a língua, que não falava, conseguiu se tornar conhecido como roteirista, principalmente após a parceria com Charles Brackett. Juntos, escreveram sucessos como A Oitava Esposa do Barba-Azul (Bluebeard´s Eighth Wife),1938 e Ninotchka (Ninotchka),1939, de Ernst Lubitsch, Meia-Noite (Midnight),1939, de Mitchell Leisen, Bola de Fogo (Ball of Fire),1942, de Howard Hawks.



A primeira oportunidade para dirigir surgiu com A Incrível Susana (The Major and the Minor),1942, com Ginger Rogers e Ray Milland. Durante toda a década de 1940, dirigiu filmes escritos em parceria com Brackett, que também os produzia. Vários desses filmes tiveram êxito artístico e comercial. Seus dois grandes sucessos dessa época foram Farrapo Humano (The Lost Weekend),1945, sobre a luta de um escritor para se livrar do alcoolismo, que ganhou o Oscar de Melhor Filme e rendeu estatuetas a Wilder (direção e roteiro) e Ray Milland (ator), e, especialmente, Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard),1950, indiscutível obra-prima do cineasta, uma sátira ácida a Hollywood, estrelada pela ex-musa do Cinema mudo Gloria Swanson, no papel de uma ex-estrela que procura voltar à glória. Ganhou os Oscars de Direção de Arte, História e Roteiro. Esse filme marcou o fim da colaboração Wilder / Brackett. Nos anos 1940, Pacto de Sangue (Double Indemnity),1944, um thriller noir, cínico e amoral, é o único filme de Wilder que não leva a assinatura de Brackett e sim a do escritor de romances policiais Raymond Chandler.



Em 1951, Wilder dirigiu um grande filme, que foi seu maior fracasso comercial: A Montanha dos Sete Abutres (Ace in the Hole, depois reintitulado The Big Carnival). Severa condenação ao jornalismo marrom, nele Kirk Douglas interpreta um jornalista que retarda o salvamento de um homem preso numa mina, para explorar, jornalisticamente, sua trágica situação. Aos poucos, Wilder se revelava um certeiro crítico de várias facetas do american way of life: o arrivismo a qualquer custo, o mega-estrelato e sua degeneração, o jornalismo como componente perverso do establishment americano.



Inferno nº 17 (Stalag 17),1953, seu filme seguinte, passado num campo de concentração, é uma comédia dramática, sucesso de público, que rendeu um Oscar a William Holden. Mas nem só de virulência viveu o Cinema de Billy Wilder. Ele também foi o excelente maestro de divertissements sofisticados, como Sabrina (Sabrina),1954, com Audrey Hepburn, Humphrey Bogart e William Holden, Amor na Tarde (Love in the Afternoon),1957, com Audrey Hepburn, Gary Cooper e Maurice Chevalier, sua primeira colaboração com outro brilhante roteirista, I.A.L. Diamond, e uma ótima versão da peça de Agatha Christie Testemunha de Acusação (Witness For Prosecution),1958, com Marlene Dietrich brilhando ao lado de Charles Laughton e Tyrone Power.



Wilder ainda fez de Marilyn Monroe uma competente comediante, em O Pecado Mora ao Lado (The Seven Year Itch),1955, e Quanto mais Quente Melhor (Some Like It Hot),1959. Este é um marco da comédia maliciosa e parodística, e primeiro de uma série que fez com Jack Lemmon. Se o Meu Apartamento Falasse (The Apartment),1960, ganhou Oscar de Melhor Filme, além de proporcionar os de Diretor (Wilder) e Roteiro (Wilder e I.A.L. Diamond).



Outros de seus filmes, como diretor: Cinco Covas no Egito (Five Graves to Cairo),1943, A Valsa do Imperador (The Emperor Waltz),1947, A Mundana (A Foreign Affair),1948, Águia Solitária (The Spirit of St. Louis),1956, Cupido não Tem Bandeira (One, Two, Three),1961, Irma La Douce (Irma La Douce),1963, Beija-me, Idiota (Kiss Me Stupid),1964, Uma Loura por um Milhão (The Fortune Cookie),1966, A Vida Íntima de Sherlock Holmes (The Private Lives of Sherlock Holmes),1970, Avanti...Amantes à Italiana (Avanti),1972, A Primeira Página (The Front Page),1974, Fedora (Fedora),1977,
Amigos, Amigos, Negócios à Parte (Buddy Buddy),1981. Apareceu ainda, apenas atuando, em Directed by William Wyler,1986, e Exiles,1989.



Billy Wilder faleceu no dia 27 de março de 2002, de pneumonia, em sua casa de Beverly Hills.

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