Críticas


GANGUES DE NOVA YORK

De: MARTIN SCORSESE
Com: DANIEL DAY-LEWIS, LEONARDO DICAPRIO, CAMERON DIAZ, JIM BROADBENT
07.02.2003
Por Maria Silvia Camargo
A HISTÓRIA DO ÓDIO

Apesar de se passar no período que vai de 1840 até a guerra civil americana, Gangues de Nova York , de Martin Scorsese, é um filme atual. Ele explica porque naquele estranho país, mesmo enquanto pedaços de astronautas caem do céu, seus habitantes ainda optam pela guerra. Baseado na “história recriada” pelo jornalista Herbert Asbury, que em 1928 escreveu sobre a fundação de Nova York, o filme é puro sangue. Sangue e batalhas: dos americanos contra os imigrantes; dos imigrantes contra o recrutamento para a guerra; dos imigrantes entre si e de todos contra os negros. As armas são foices, garras, bastões, facas, espadas. Os grupos se preparam quase que religiosamente para o combate e, depois de se colocarem a dois passos de distância uns dos outros, partem para a selvageria. A ferocidade da cena inicial – quando o líder irlandês Padre Vallon (Liam Neeson) enfrenta o líder americano Açougueiro Bill (Daniel Day-Lewis) – é impressionante. Se metade das histórias contadas no filme são verdade, os motoristas de táxi de Nova York não expressam 0,1% da sede de sangue de seus fundadores.



Mas não importa se estas histórias são verídicas. Nem o roteiro importa muito. Ele é quase uma estrutura para um épico cheio de personagens e paisagens sombrias. Nos 168 minutos de brutalidade há muitas mortes espetaculosas: a faca é lançada em câmera lenta, o sangue jorra ….aquela coisa. Mas Scorsese não tem o mesmo orgulho destas mortes violentas aqui como teve em Os Bons Companheiros e Cassino . Parece que ele não tem tanto afeto a estes personagens porque eles não têm glamour nenhum. Matam para sobreviver. Ou porque querem. Já os mafiosos matam por dinheiro e carros bonitos. Scorsese também não tenta explicar estes atos como causas patrióticas. Apenas conta muito bem esta enorme história.



Num esboço de cidade, o lugarejo de Cinco Pontos (uma praça onde cinco ruas se encontram, hoje no Soho) ferve de marginais. Eles vivem entre puteiros e cortiços, ameçados pelo poder do Açougueiro Bill, que cobra porcentagem por qualquer negócio que se faça e ainda tem a polícia corrupta nas mãos. Bill seria uma espécie de líder único do tráfico de drogas no Rio de Janeiro, que, de tempos em tempos, combina algumas ações com o Prefeito para acalmar os ânimos. O “Prefeito” em cena é outro personagem lendário nova iorquino, Chefe William Tweed (o ótimo Jim Broadbent). Quando o filme começa, Bill duela com o irlandês Padre Vallon, que acaba morrendo diante do filho Amsterdam. O menino jura vingança, e, dezesseis anos depois (já como Leonardo Di Caprio), sai do reformatório atrás de Bill. Para se aproximar do assassino, no entanto, Amsterdam tem que conquistar sua confiança. E ele acaba se envolvendo com tudo o que diz respeito a Bill, inclusive uma de suas protegidas, a ladra Jenny Everdeane (Cameron Diaz), que, inexplicamente, não divide a cama com Bill.



O pano de fundo para esta história é a nascente democracia – é um milagre que ela tenha surgido de tanta violência. Como americano, Bill odeia os imigrantes que o Presidente Abraham Lincoln quer para a guerra (caso não possam pagar US$ 300, o que nenhum podia). Os negros, ninguém quer. O auge das disputas chega ao limite em 1863, quando a cidade começa a ser incendiada pelos marginais e os ricos são mortos e saqueados.



Não é à toa que o filme demorou três anos para ser feito e estourou todos os orçamentos, quase quebrando a Miramax. O grande protagonista de todos estes fatos é o cenário: a cidade recriada nos estúdios Cinecittá em Roma ficou perfeita, merecedora de Oscar. Uns dois tons acima está o figurino, que parece ter condensado todas as referências de época de uma só vez em algumas roupas. São estas roupas que destoam do tom sombrio, da Londres antiga, que perpetua o filme. Amsterdam, aliás, parece um daqueles lendários órfãos ingleses, e é o personagem que tem um diferencial do resto da corja – até porque é ele quem a narra. O Açougueiro Bill é um caso à parte. Sustentado com brilhantismo por Daniel Day-Lewis, ele já inscreveu seu nome na galeria de atuações clássicas da história do cinema.É feroz e excêntrico ao mesmo tempo; bem sucedido e marginal; perverso e leal. Se durante todo o filme o espectador fica tenso, quando ele aparece em cena esta tensão é redobrada.



Day-Lewis e a coragem de Scorsese de contar esta história tão crua, é que transformam o filme em imperdível. Se, como disse em entrevistas, o diretor espera que o filme responda à pergunta “o que é ser americano?”, Gangues de Nova York cumpriu seu intento. Ser americano é ter, em suas origens, muito ódio e intolerância.



# GANGUES DE NOVA YORK (GANGS OF NEW YORK)

EUA, 2002

Direção: MARTIN SCORSESE

Roteiro: JAY COCKS, STEVE ZALLIAN, KENNETH LONERGAN

Produção: MICHAEL HAUSMAN

Fotografia: MICHAEL BALLHAUS

Montagem: THELMA SHOONMAKER

Música: HOWARD SHORE

Elenco: DANIEL DAY-LEWIS, LEONARDO DICAPRIO, CAMERON DIAZ, JIM BROADBENT, LIAM NEESON, HENRY THOMAS, JOHN C. REILLY, BRENDAN GLEESON

Duração: 165 min.

site: www.gangsofnewyork.com



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