Especiais


39º FESTIVAL DE CINEMA DE GRAMADO

06.08.2011
Por Daniel Schenker
39º FESTIVAL DE CINEMA DE GRAMADO

RESULTADO:



A jornada pessoal de Lúcia Murat, que evocou sua trajetória e a de dois de seus irmãos nascidos nos anos 60 no documentário Uma Longa Viagem , foi consagrada no recém-encerrado Festival de Gramado com cinco prêmios, entre kikitos e troféus da cidade de Gramado. Igualmente premiado foi Riscado , de Gustavo Pizzi, centrado nos obstáculos enfrentados por uma jovem atriz em busca de oportunidades. O interessante documentário As Hiper Mulheres também foi lembrado e o fraco O Carteiro , de Reginaldo Faria, ficou com o prêmio de fotografia. Menos feliz foi a escolha do júri estrangeiro pelo simpático, mas convencional, Medianeiras . A divisão do prêmio de diretor foi desnecessária. E o ótimo Jean Gentil não ganhou qualquer menção do júri oficial. A registrar: os atores Caio Blat e Gabíno Rodriguez foram premiados pelo segundo ano consecutivo.



Longas-Metragens Brasileiros:



Filme - Uma Longa Viagem

Prêmio Especial do Júri – As Hiper Mulheres

Direção – Gustavo Pizzi ( Riscado )

Ator – Caio Blat ( Uma Longa Viagem )

Atriz – Karine Telles ( Riscado )

Roteiro – Gustavo Pizzi e Karine Telles ( Riscado )

Fotografia – Roberto Henkin ( O Carteiro )

Montagem – Leonardo Sette ( As Hiper Mulheres )

Trilha Sonora – Lucas Vasconcellos, Leticia Novaes e Iky Castilho ( Riscado )

Direção de Arte – Monica Costa e Julia Murat ( Uma Longa Viagem )

Júri da Crítica - Riscado

Júri Popular - Uma Longa Viagem

Júri Estudantil - Uma Longa Viagem



Longas-Metragens Estrangeiros:



Filme - Medianeiras

Prêmio Especial do Júri - Las Malas Intenciones

Direção – Gustavo Taretto ( Medianeiras ) + Sebastian Hiriart ( A Tiro de Piedra )

Ator – Gabíno Rodriguez ( A Tiro de Piedra )

Atriz – Margarida Rosa de Francisco ( García )

Roteiro – Sebastián Hiriart ( A Tiro de Piedra )

Fotografia – Serguei Saldivar Tanaka ( La Lección de Pintura )

Júri da Crítica - Jean Gentil

Júri Popular - Medianeiras

Júri Estudantil - La Lección de Pintura









8ª NOITE:



Jean Gentil



O grande momento da 39ª edição do Festival de Cinema de Gramado ficou para o final. Jean Gentil , último longa-metragem da competição estrangeira exibido no Palácio dos Festivais, impressionou pela qualidade. Ao se debruçarem sobre a jornada do professor haitiano Jean Gentil, que não consegue oportunidades de trabalho condizentes com a sua formação e parte do meio urbano rumo ao litoral, os diretores Laura Amelia Guzmán e Israel Cárdenas Ramírez evitam armadilhas, como a da evidenciação de um discurso social panfletário.



Ao adentrar a floresta, Jean Gentil recupera conexão com a natureza numa travessia espiritual norteada pela fé, apesar do desejo expresso de morrer. Os cineastas demonstram especial habilidade na condução de cenas sem fala. A última sequência – uma tomada aérea sobre Porto Príncipe, evidenciando o contraste entre floresta e cidade, moradias abastadas e a miséria reinante numa cidade arruinada, aos escombros – é particularmente impactante.





7ª NOITE:



Garcia



José Luis Rugeles procura transitar por registros diversos em Garcia . Começa o filme investindo no drama social atravessado por um casal formado pelo bondoso personagem-título, porteiro de uma fábrica em Bogotá, e por Amália. Morador de um apartamento de classe média baixa, Garcia planeja se mudar com a mulher para uma região rural. Mas Amália é subitamente sequestrada, acontecimento que leva o até então pacato Garcia a enfrentar situações impensadas. Mergulha no submundo, acompanhado (e incentivado) pelo incontrolável e excessivo amigo Gomez.



O diretor tangencia a ação em cenas com os brasileiros Rui Rezende e Giulio Lopes e, a partir do momento em que o mistério em torno do desaparecimento de Amália é descortinado, flerta com o humor. Garcia conserva certa simpatia e os atores valorizam essa produção colombiana. Mas as alternâncias de gêneros ao longo da projeção não são plenamente bem resolvidas.





O Carteiro



Reginaldo Faria retoma a função de diretor com O Carteiro , aparentemente estimulado por motivação nostálgica. Localiza a história numa pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul e elege a carta como principal elemento das peripécias protagonizadas por Vitor. Ele é o carteiro do título, que, apaixonado por Marli, não hesita em se valer de procedimentos questionáveis, como violar e manipular correspondências, para atingir seus objetivos. Mas os fins justificam os meios, dizem.



A simpatia em torno do nostálgico e do artesanal se dissolve ao longo da projeção. Reginaldo Faria não acerta o timing na condução dos atores, que ocasionalmente enveredam por certo registro histérico. O roteiro também não fornece boas oportunidades, alongando a história bem além do necessário, sensação evidenciada em toda a sequência dos quiproquós na delegacia.





6ª NOITE:



El Casamiento



A serenidade transborda da tela no documentário El Casamiento . É a sensação transmitida pelo casal formado por Julia Brian, transexual uruguaio, e Ignácio González, ex-pedreiro, e também pelo diretor Aldo Garay, no modo tranquilo como registra essa história de amor. Mas, apesar de bastante pacífico, o relacionamento não ganha um olhar idealizado: Julia faz tudo para Ignácio, que assume postura passiva no casamento. E ele não hesita em afirmar diante da câmera a vergonha que sentia de Julia antes dela assumir personalidade feminina.



Garay também destaca o contexto sócio-econômico no qual ambos estão inseridos. Vivendo numa casa pobre na periferia de Montevidéu, eles se mudam, em determinado momento, para um apartamento mais preservado num conjunto habitacional. A despreocupação do diretor em contar uma história, com desenvolvimento tradicional de personagens e evolução dos conflitos, merece elogios, ainda que o filme se torne ocasionalmente repetitivo nas declarações de Julia e, em especial, de Ignácio. Mas o resultado é bastante satisfatório.



Olhe para Mim de Novo



Olhe para Mim de Novo , de Claudia Priscilla e Kiko Goifman, lembra bastante Vera , de Sergio Toledo. Em ambos os filmes, os diretores destacam através de seus personagens, reais ou ficcionais, o descompasso entre corpo e alma. “Eu sou prisioneiro de um corpo errado”, sintetiza Syllvio Luccio, transexual do sertão do Ceará que tem a sua jornada devidamente retratada nesse documentário.



Outras analogias podem ser traçadas – com o livro Grande Sertão: Veredas , de Guimarães Rosa, e com a peça Agreste , de Newton Moreno. O fato é que Priscilla e Goifman se propõem a retratar a complexidade da sexualidade. Por mais que Syllvio Luccio, nascido Lúcia, tenha assumido uma aparência condizente com a sua essência masculina, nem tudo está resolvido.



Há conflitos familiares, talvez insolúveis, com a família (decidiu ter uma filha pela necessidade de recompensar os pais por sua condição), e conflitos íntimos também difíceis de serem solucionados. “Vestido, eu sou um homem. Mas quando entro no quarto e tiro a roupa é como se a máscara caísse”, exclama. Em outro momento, diz: “o meu corpo não é feminino, mas é um corpo de mulher”. Por mais que diminua o descompasso entre o que sente e a imagem diante do espelho, Syllvio Luccio não tem como realizar o desejo de ser originalmente homem.



Diante de um excelente universo temático, os cineastas nem sempre conseguem abordá-lo da melhor maneira, seja ao abrirem o foco para a discussão sobre outras formas de exclusão, seja ao enveredarem por certo registro de humor questionável (em cenas como aquela em que Syllvio simula uma masturbação no banco de sêmen, enquanto folheia uma revista de nu feminino).





5ª NOITE:



La Lección de Pintura



Pablo Perelman dirige La Lección de Pintura – longa-metragem novamente exibido em DVD, prática que se tornou recorrente nessa edição do Festival de Gramado, ainda que a qualidade da projeção tenha sido menos prejudicada que a dos filmes peruano e mexicano – norteado pela correção. A história do menino que mora com a mãe num povoado do interior do Chile, no começo da década de 60, e descobre surpreendente talento para a pintura tende a reverberar no espectador. A performance do ator mirim, também. Mas não há riscos ou ousadias à vista nessa realização.



Escorado na novela de Adolfo Couve, Perelman entrelaça a jornada do menino, potencializada pelo convívio com um pintor e dono de farmácia com quem a mãe trabalha, com um contexto tomado pela reivindicação do povo por terra e pela escalada da repressão. O resultado alcançado, digno, perde pontos com uma condução que evidencia pouco apuro em relação às ferramentas cinematográficas, a exemplo da reiteração entre texto e imagem, bastante presente no começo de La Lección de Pintura .





As Hiper Mulheres



“Ninguém vai nos substituir quando morrermos”, dizem, em determinado momento do documentário As Hiper Mulheres . Carlos Fausto, antropólogo, Leonardo Sette, cineasta (do interessante e árido curta Confessionário), e Takumã Kuikuro, diretor indígena, chamam atenção para a perpetuação das tradições através da transmissão do canto (particularmente o Jamurikumalu, o maior ritual feminino do Alto Xingu) lançando, porém, questões oportunas. Até que ponto há propriamente preservação quando tudo se transforma, diante da evidência de que as pontes para o passado foram queimadas?



Há, portanto, uma espinha dorsal atravessando o filme, que não se limita a registrar de modo arbitrário o cotidiano da tribo. A preocupação em manter contato com ancestralidade e a adesão a novidades (mesmo que desatualizadas, como a passagem em que uma índia manipula um gravador de fita e opina sobre a preservação da sua voz no canto) marcam As Hiper Mulheres . Certa soberania feminina nas relações diárias também é bastante destacada. Os diretores não evidenciam interferências na reunião de todo esse material e registram belas sequências de conjunto, nas quais as mulheres ensaiam os cantos diante da dificuldade da mais experiente de transmitir a elas.





4ª NOITE:



Las Malas Intenciones



Uma consistente construção de personagem valoriza Las Malas Intenciones , filme peruano (em coprodução com Alemanha e Argentina) de Rosario Garcia Montero prejudicado pelas más condições de exibição no Festival de Gramado. Mais exatamente a construção de Cayetana, menina de oito anos confrontada com a percepção da morte. Diante do anúncio da gravidez da mãe, ela decide que vai morrer. Mas as coisas, claro, não saem conforme o planejado.



Não são poucos os fatos que escapam ao seu controle, ainda que a menina tome consciência de seu poder em realizar acontecimentos terríveis e irreversíveis. Entre o questionamento sincero e o descortinar da perversão encontra-se Cayetana, abalada por uma relação algo distanciada com a mãe e pela quase ausência do pai. Nas ruas, a atmosfera não é melhor: ambientado no Peru do início da década de 80, período de conflito entre o Estado e os guerrilheiros do Sendero Luminoso, o filme faz referência a um país desestabilizado pela violência – panorama evidenciado em muros pichados com palavras de indignação.



País do Desejo



A história de amor entre um padre portador de uma visão de mundo justa e atualizada (interpretado por Fábio Assunção) e uma pianista com graves problemas de saúde (Maria Padilha), contada por Paulo Caldas em País do Desejo , decepcionou a crítica presente ao Festival de Gramado. Natural. Centrado numa paixão dilacerante, o filme bate um tanto impessoal na tela, destituído de pulsação sanguínea. Mais do que isto: o roteiro (assinado por Caldas, Pedro Severien e Amin Steppler) traz falas muito pouco buriladas.



Ao final da sessão, não foram poucos os comentários sobre a cena em que uma personagem come hóstia temperada com ketchup enquanto se entretém na leitura de quadrinhos eróticos. Pode ter alguma graça, mas a cena e a personagem surgem bastante deslocadas dentro da estrutura do filme. Responsável por trabalhos de qualidade – Baile Perfumado (em parceria com Lírio Ferreira), O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas e Deserto Feliz –, Paulo Caldas não imprimiu assinatura marcante dessa vez. Protagonista de Deserto... , Nash Laila integra o elenco.





3ª NOITE:



A terceira noite de competição foi marcada pela exibição de Uma Longa Viagem , documentário de Lúcia Murat vencedor do Prêmio da Crítica na última edição do Festival de Paulínia, e de A Tiro de Piedra , longa mexicano mostrado em circunstância excepcional: como a cópia não chegou a tempo, o filme acabou sendo exibido em DVD. Mas uma nova sessão foi marcada dentro da programação do festival.



A Tiro de Piedra



A via-crúcis de um trabalhador mexicano na tentativa de cruzar a fronteira rumo aos Estados Unidos é o tema de A Tiro de Piedra . Mas o diretor Sebastian Hiriart não aborda propriamente a luta de um personagem em busca de melhores oportunidades – apesar do fastio externado por Jacinto Medida em relação ao cotidiano como pastor de cabras no norte do México. O protagonista, símbolo de tenacidade, é movido, isto sim, por uma projeção algo delirante, acionada a partir do instante em que encontra um chaveiro. É o suficiente para fazê-lo rumar em direção a um gélido Oregon.



No meio do caminho, marcado por geografia desolada, é enganado e roubado por alguns, ajudado por outros. Hiriart se aproxima do registro da não representação no trabalho com o elenco (apesar de certa tendência à composição do ator Gabino Rodriguez, na construção de um personagem que contrasta a falta de perspectivas do real com sonhos delirantes) e revela habilidade na sustentação de sequências sem fala e, em especial, na criação de uma trilha sonora que realça o patético do percurso árido e ingrato de Jacinto.



Uma Longa Viagem



Depois do excelente Que Bom Te Ver Viva , Lúcia Murat volta a investir num filme assumidamente pessoal. Foca agora na sua trajetória e na de dois de irmãos, Heitor e Miguel, que cresceram influenciados pelo ímpeto libertário dos anos 60. Diferentemente do documentário anterior, no qual Irene Ravache interpretava uma personagem alterego da diretora, agora a própria Lúcia narra o filme em primeira pessoa, sem se valer de uma construção ficcional como biombo transparente.



Lúcia Murat conta que a morte de um dos irmãos, Miguel, motivou-a a fazer o filme. Relembra sua trajetória: militante na luta armada desde os 19 anos, foi presa e torturada em 1971 e depois transferida para a Vila Militar como presa política. Saiu da cadeia em 1974, época “da abertura lenta e gradual”. A cineasta entrelaça a sua jornada com a do irmão, Heitor, que viveu sem amarras palmilhando a Índia e outros cantos do mundo e enveredou pelas drogas, imbuído de uma busca por transcendência.



A figura de Heitor se agiganta na tela. Além da conversa dele com Lúcia atravessar o filme, Caio Blat o interpreta – sem incorrer na ambição de espelhá-lo. A estrutura do filme inevitavelmente pende para Heitor. A jornada de Lúcia fica em segundo plano e a de Miguel, em terceiro – em parte, por evidente decisão da diretora, que optou por não esclarecer as causas da morte dele.



Por mais que a longa viagem do título remeta diretamente à trajetória de Heitor (bem como a extensa troca de cartas, entre 1970 e 1978), essa estrutura causa certa estranheza em relação à proposta inicial lançada pela diretora – como já foi dito, a de destacar os percursos pessoais trilhados por três irmãos herdeiros da década de 60. Mas não faltam pontos interessantes, como a proximidade de Heitor com a loucura. “Houve um momento, nos anos 60, em que enlouquecer tinha um charme”, afirma Lúcia Murat, atentando para a frequente abordagem romântica da loucura.





2ª NOITE:



Antes da exibição de Medianeras Buenos Aires – Na Era do Amor Virtual e Ponto Final , filmes integrantes da competição, o Festival de Gramado sediou o debate A Censura Voltou? O Veto ao Longa A Serbian Film em Questão , que contou com as presenças de Frederico Machado, diretor da Lume Filmes e do Festival Internacional Lume de Cinema, Davi Pires, diretor do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça, João Pedro Fleck, diretor do Fantaspoa (Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre) e dos críticos de cinema Luiz Zanin Oricchio (presidente da Abraccine) e Roger Lerina (presidente da Accirs).



Davi Pires contou que o Departamento de Justiça estava pronto para conferir a classificação de recomendado para maiores de 18 anos quando recebeu um pedido da Procuradoria da República de Minas Gerais para que o filme não recebesse indicação etária, ficando, assim, impedido de circular no país. Exibido no Festival Internacional Lume de Cinema, em São Luís, e no Festival Internacional de Cinema de Porto Alegre, A Serbian Film – Terror sem Limites , de Srjdan Spasojevic, finalmente recebeu a classificação de não recomendado para menores de 18 anos no último dia 5, permanecendo proibido apenas no Rio de Janeiro devido a liminar concedida pela justiça a pedido do Partido DEM.



Medianeras Buenos Aires – Na Era do Amor Virtual



O diretor argentino Gustavo Taretto investe num filme de fácil interação com o público, ainda que sem buscar o impacto popular das produções de Juan José Campanella. Conquista o espectador por apostar num trabalho em tom menor, potencializado por personagens carismáticos, Mariana e Martin, que, como o subtítulo indica, travam vínculo no meio virtual. Ela é uma arquiteta, que trabalha decorando vitrines; ele, recluso em seu apartamento na companhia da cadela da ex-namorada, evita ao máximo contato com humanos. “Há dez anos sentei em frente ao computador e nunca mais me levantei”, assume Martin, que cria sites.



Taretto lança outras pistas no título de seu filme, que busca uma conexão (não totalmente orgânica) entre o estado emocional de seus solitários protagonistas e a geografia de Buenos Aires, que, segundo Martin, é “uma cidade superpovoada num país deserto”, tomada por “prédios erguidos todos os dias sem nenhum critério”. “O que pensar de uma cidade que dá as costas ao seu rio?”, questiona. As imperfeições da capital argentina também são destacadas através dos arbustos que nascem em meio ao cimento – ilógicos, como a arquitetura e os personagens. As medianeras do título são as paredes feias dos prédios, “as superfícies enormes que nos dividem, mostram nosso estado miserável”. Uma referência às mazelas da intimidade que não costumam ser reveladas. O diretor salpica ainda citações cinematográficas de fácil compreensão, como a de Manhattan , de Woody Allen, menção a um filme célebre centrado no impacto de uma cidade sobre os personagens, e a Feitiço do Tempo , de Harold Ramis, sobre um dia que se repete indefinidamente, como a vida de Mariana e Martin, algo estacionada até o instante em que finalmente se conhecem.





Ponto Final



Marcelo Taranto caminha em sentido contrário ao naturalismo para abordar o impacto da morte de uma adolescente, vítima da violência urbana, não só em esfera familiar. Abre o foco para mostrar o caos social instaurado nos dias de hoje. Em Ponto Final , o diretor (realizador do thriller A Hora Marcada ) assume o cenográfico das locações e o tom artificial na interpretação dos atores, que, frequentemente, falam de frente para a câmera em estrutura de monólogo. Sobressai o esforço em imprimir atmosferas, a tentativa de buscar um tom solene, grave, austero. Ambições que não são concretizadas de modo satisfatório na tela.



Os personagens, oriundos de diferentes classes sociais, proferem verdades, assumem tomadas de posição contundentes como porta-vozes de um cinema de conscientização social. Exemplo: “hoje em dia, o trocador está sendo trocado por cartão magnético. Fazer o que? É melhor que gente”. Em todo caso, o roteiro (assinado pelo próprio Taranto, a partir de livro de Francisco Azevedo) não lida bem com símbolos e metáforas. As falas soam edificantes, óbvias (“Eu ensinava a ela que mais cedo ou mais tarde a vida nos ensina a trancar tudo a sete chaves”; “nenhum ônibus serve para mim, nenhum me leva onde quero ir”; “tirar a máscara enfraquece, fragiliza”). Torna-se difícil para o elenco emprestar credibilidade ao texto. Ainda assim, Silvio Guindane consegue algum nível de apropriação e se destaca.





1ª NOITE:



A mostra competitiva do Festival de Gramado abriu com Riscado , filme de Gustavo Pizzi exibido anteriormente no Festival do Rio e na Mostra de Tiradentes.



Riscado



Em Riscado , o espectador acompanha as dificuldades enfrentadas por uma atriz, Bianca (interpretada por Karine Teles), obrigada a distribuir folhetos e fazer telegramas animados. O filme segue a tendência de celebrar a pessoa comum, obrigada a se sujeitar a empregos inferiores às suas possibilidades. Há notadamente uma determinação em retratar a protagonista como heroína em sua jornada na busca por um lugar ao sol.



A faceta mais interessante reside na assumida busca pela verdade, pelo não representado, pelo entrelaçamento entre vida e arte, a exemplo de uma das falas de Bianca: “eu quero fazer um filme honesto, que não tenha mentira. Um filme que fale sobre mim”, afirma, resumindo, de certo modo, a plataforma de intenções de Riscado . Uma transparência que influencia no registro interpretativo buscado por Gustavo Pizzi. Os atores parecem improvisar uma conversa descontraída, como se não estivessem diante de uma câmera. O elenco envereda por um naturalismo refinado, cuja construção não permanece à mostra para o espectador. Nesta proposta, os trabalhos de Lucas Gouvêa e, em especial, de Gisele Fróes merecem elogios.

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