Filmes infantis são repletos de clichês, apelativos, medíocres, tratam crianças como débeis-mentais e remetem adultos a humilhantes glus-glus, certo?
Bem... muitos desses mitos terão que ser repensados a partir de Uma professora muito maluquinha, a despretensiosa versão cinematográfica do sucesso de Ziraldo, publicado em 1995, na esteira do fenômeno O menino maluquinho.
Falo em “filme infantil”, “despretensioso”, e não tenho certeza se uso os termos corretamente. Há um abismo, clássico mas ainda assim incompreensível, entre o cinema voltado para um público jovem e o respeito aos limites de tolerabilidade à calhordice do ser humano. Crianças não são intrinsecamente estúpidas, mas adultos costumam se esforçar para isso. Vingam-se por terem sido estupidificadas quando crianças. E se por “público jovem” entendermos também o cinema feito para a “família” não será difícil perceber a contribuição que centenas de filmes dão todos os anos para a idiotização das futuras gerações. Uma professora muito maluquinha faz justamente o contrário. É generoso com seu público, relevante, consistente e, para dizer o mínimo, encantador. Se essa é a sua pretensão, ela é alcançada.
Paola Oliveira, no papel da jovem professora Cate, que transgride métodos de ensino tradicionais para educar as crianças, está na raiz disso tudo. Poso ter passado da idade, mas queria estar na sua sala de aula. E faria tudo para não sair mais de lá. A professora é meiga, bonita e revolucionária, para desespero de suas colegas tradicionalistas, especialmente a diretora da escola (Claudia Ventura) - e fascínio dos homens da cidade. O jogo de sedução que se estabelece a partir desse momento pode não ter nada de infantil, mas é aí que reside o principal mérito do texto de Ziraldo, amplamente assimilado pelo filme. Não são os adultos que freqüentam o universo infantil, mas as crianças que freqüentam o universo dos adultos.
Suponho que venha daí a ousada decisão de pontuar a obra com uma trilha musical extremamente rica e de bom gosto, improvável para aceitação infantil, capitaneada por chorinhos e boleros que aparentemente não povoam o mundo das crianças, mas, se não o fazem, é porque as crianças estão mal informadas. O filme simplesmente as informa. Em Uma professora muito maluquinha, ninguém canta Cai, Cai, Balão – e muito menos clássicos do cancioneiro local (o filme, rodado em São João Del Rey, é ambientado nos anos 40 numa cidadezinha do interior mineiro).
Ali estão Paola Oliveira e todos os homens da cidade, ensinando as crianças o que é o amor, vendo a Cleópatra de Cecil B. de Mille, mas ali está também um conjunto de desempenhos individuais que beira o emocionante. Chico Anysio, para não ir longe demais. Por mais que seja louvado, Chico sempre estará acima do seu reconhecimento. Um dos mais talentosos e revolucionários comediantes do Brasil em todos os tempos, Chico carrega seus personagens de nuances que permitem a transcendência deste Monsenhor Aristides - um sábio religioso que de dogmático não tem nada; mas que é capaz de ensinar a todos os fieis e infiéis as armadilhas dos sentimentos humanos.
Chico é um ator hipnótico que, ainda assim, tem a grandeza de fazer com que brilhem todos que estão ao seu redor; entre eles Joaquim Lopes, como o jovem Padre Beto, seu discípulo, novo inspetor da escola que se rebela contra os métodos da professora maluquinha, e que, desde criança, conhece Cate muito bem. Tem Suely Franco como a prima Cida; Fernando Alves Pinto, numa rápida mas forte aparição como um mercador cigano... É uma prerrogativa das artes cênicas fazer com que, mesmo sem falar, bons intérpretes possam se agigantar no momento em que entram em cena. Uma professora bem maluquinha concede isso aos seus atores.
O filme é dirigido por Andre Alves Pinto e Cesar Rodrigues. Não sei o que coube a quem. Do primeiro, sei apenas que é sobrinho de Ziraldo. De Cesar, vi a ótima versão brasileira para uma franquia de sucesso: High School Musical - o Desafio. Exatamente por ser uma franquia e por questões relacionadas ao mecanismo de produção, o High School carioca não teve a repercussão merecida. Mas era um filme simples, gostoso, comovedor. Pelo menos Cesar Rodrigues parece ter esse dom; o de dar sabor às coisas que não são muito complicadas, promover sinergia entre o enredo e o espectador, nos fazer querer ser parte da história. Assim como High School Musical – O Desafio, não vi Uma professora bem maluquinha com qualquer tipo de distanciamento. Pelo contrário, num e noutro caso me senti parte do grupo.
Pode não parecer muito previsível, mas é verdadeiro. Torci muito pelas crianças do interior mineiro e pela sua professora tão linda, tão corajosa e cativante. Pouco antes do final, minha filha me alertou: - Ela vai ficar com o padre. Pensei: já vi esse filme. Mas o que estou acabando de ver agora é tão bom quanto o original. Reconheço que um crítico não deva cometer esse tipo de excesso. Mas se assim é, o que posso fazer para não ser?