Críticas


PIANISTA, O

De: ROMAN POLANSKI
Com: ADRIEN BRODY, THOMAS KRETSCHMANN, FRANK FINLAY
09.03.2003
Por Daniel Schenker
PARADOXOS DE POLANSKI

Toda a vivência do Holocausto certamente cala fundo em Roman Polanski – a ponto de o diretor ter sentido necessidade de buscar distanciamento ao tratar do período em O Pianista , Palma de Ouro em Cannes e acumulando sete indicações ao Oscar. Tanto que fala através da figura do pianista Wladyslaw Szpilman, resgatando a via-crucis deste sobrevivente durante os anos da Segunda Guerra. No entanto, o resultado se revela paradoxal: diante de material tão familiar (a família de Polanski passou por campos de concentração), o cineasta acaba não imprimindo uma assinatura marcante.



O Pianista chega ao público via uma estrutura comportada, basicamente dividida em duas partes – a primeira, ressaltando o surgimento do Gueto de Varsóvia, e a outra, um pouco mais exasperante, destacando a sobrevida de Szpilman nos anos em que precisou se esconder dos nazistas. Durante a projeção, Polanski faz concessões para chamar a atenção do espectador ao se valer frontalmente de situações esquemáticas (o contato de exceção entre o pianista e um oficial alemão, evidenciando a intenção do diretor de ressaltar que não se deve generalizar), ao acumular seqüências de calculado efeito infalível (Szpilman tocando piano imaginariamente ou voltando a tocar depois de muito tempo) e ao retirar da realidade cenas chocantes (um paraplégico jogado janela abaixo, um menino espancado até a morte, um outro ajoelhado na rua diante do pai morto, um homem lambendo restos de comida no chão).



São cenas já conhecidas, expressões da perversão e da animalização humanas, e dispostas, aqui, para alcançar determinado efeito sobre a platéia. Mesmo que Polanski não tenha ambicionado dirigir um documentário, há, em O Pianista , um excesso de “encenação” que se sobrepõe à fala genuína de quem passou por experiências tão brutais. O cineasta produz uma sensibilização e, artificialidade à parte, é preciso dizer que presta um serviço ao combater o perigo da alienação. Mas são poucos os momentos em que joga luzes sobre o período (entre eles, quando mostra a criação de uma polícia dentro do gueto, bem como a sustentação da hierarquia e da vaidade) ou toca em pontos capitais (as falas de resistência, a união judaica contrastada com a imagem de Wladyslaw Szpilman voltando sozinho para o gueto, a perda da identidade e o confronto íntimo com a realidade via a dissolução das expectativas – como a vida poderia ter seguido se descolada daquele contexto...). Polanski não ambiciona uma abordagem mais ousada, valorizando, por exemplo, a perpetuação de uma lógica de exclusão ou o lado lucrativo do extermínio em massa. É acomodado em relação à superficial idéia de horror – e sublinha a plasticidade do horror (Szpilman andando em meio às ruínas de uma cidade completamente destruída evoca uma pintura derretida).



Talvez o desconforto suscitado na platéia seja decorrente da acomodação do filme. Roman Polanski busca analogias simplórias e certeiras. Primeiro, faz o espectador se identificar com o povo judeu humilhado e subjugado (na medida do possível, obviamente); depois, concentra o foco em Szpilman, que, a partir de um dado instante, se transforma num espectador ativo que assiste, escondido, a toda a destruição à sua volta (que pode atingi-lo no segundo seguinte). Em ambos os casos, o público é colocado numa posição angustiante, mas que não tem nada de inédita e, por isso, parece pouco desestabilizadora. Ao final, o conforto é restituído e a platéia está junto de Szpilman em seu recomeço.



# O PIANISTA (THE PIANIST)

Inglaterra/França/Alemanha/Holanda/Polônia, 2002

Direção: ROMAN POLANSKI

Roteiro: RONALD HARWOOD

Produção: ROBERT BENMUSSA E ALAIN SARDE

Fotografia: PAWEL EDELMAN

Montagem: HERVÉ DE LUZE

Música: WOJCIECH KILAR

Elenco: ADRIEN BRODY, THOMAS KRETSCHMANN, FRANK FINLAY, MAUREEN LIPMAN, EMILIA FOX

Duração: 148 min.

site: www.thepianistmovie.com



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