O cinema americano é pródigo em aproveitar filmes ambientados nos anos 70 ou que tenham o rock como tema (Quase Famosos, Alta Fidelidade, Profissão de Risco, etc.) para lançar, em seus CDs de trilha sonora, belas coletâneas com pérolas extraídas do repertório daquela época. O cinema nacional nunca investiu neste filão, por diversos motivos. Primeiro, ainda são raros os filmes sobre o universo musical pop. Segundo, boa parte das nossas produções de época estão atreladas a temas históricos. Terceiro: você lembra de ter visto nas prateleiras das lojas de discos alguma trilha sonora de filme nacional? Mesmo as raras exceções (e que resultaram em ótimos discos), como Bossa Nova e Cidade de Deus, são dificílimas de se encontrar (embora tenham sido lançadas por grandes gravadoras).
Então resta torcer para que a gravadora Universal acredite no potencial da trilha de Durval Discos, pois o CD é a melhor e menos óbvia compilação de canções já reunidas numa trilha sonora de filme nacional (Quando o Carnaval Chegar, dirigido em 1972 por Cacá Diegues, não conta, porque sete das músicas cantadas por Chico Buarque, Nara Leão e Maria Bethania na trilha eram inéditas). A seleção feita pela diretora Anna Muylaert e pelo veterano produtor musical Pena Schmidt não poderia ser de maior bom gosto. É funcional, pois se integra perfeitamente na narrativa do filme, e também pode – e deve – ser apreciada fora do cinema.
Infelizmente, três dos melhores momentos em que a música assume o papel principal em cena – quando Durval vende os raros LPs Tim Maia Racional Vol. 1 e 2 a um cliente (o ator e DJ Theo Werneck), quando sua mãe elogia A Banda (Chico Buarque), e quando todos dançam A Tonga da Mironga do Kabuletê (Toquinho e Vinícius) – ficaram de fora do CD, provavelmente por não pertencerem ao acervo da gravadora Universal. Mesmo assim, sobra tanta coisa boa que nem dá pra reclamar.
Que Maravilha (Jorge Ben) e Pérola Negra (Luiz Melodia) constroem bem o clima intimista das cenas em que aparecem, enquanto Besta é Tu (Novos Baianos) dá o tom lúdico para o inusitado momento em que os personagens saem passeando de charrete pelas ruas de São Paulo. Outras valem sobretudo pelo trabalho de resgate da memória músical brasileira: são preciosidades como Back in Bahia, uma das primeiras canções que Gilberto Gil gravou em 1972, após voltar do exílio, ou a tropicalista Alfômega, composta por Gil e gravada por Caetano Veloso em seu segundo LP solo, de 1969. Estas canções dificilmente você encontra nas milhares de coletâneas óbvias que as gravadoras despejam no mercado a cada ano.
Outro dado curioso é que algumas faixas ainda preservam aqueles estalos do LP e o som característico da gravação analógica, talvez para manter no CD o espírito saudosista do filme em relação aos LPs. A única faixa inédita é uma regravação de Mestre Jonas (Sá, Rodrix e Guarabyra) pelo grupo Os Mulheres Negras, de André Abujamra (que assina o score instrumental da trilha, ausente do CD). A gravação dos Mulheres Negras conferiu uma roupagem de reggae à música, bem diferente da original, mais roqueira (que também está no disco). Já a boa versão eletrônica que aparece durante os créditos finais ficou de fora. Mais uma dose de saudosismo? Talvez. Mas não deixe de ouvir.
# DURVAL DISCOS
Gravadora: Universal
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