Críticas


CARANDIRU

De: HECTOR BABENCO
Com: LUIZ CARLOS VASCONCELOS, IVAN DE ALMEIDA, AILTON GRAÇA, GERO CAMILO
10.04.2003
Por Ricardo Cota
CARANDIRU, A CELA GLOBAL

Há que se louvar pelo menos um aspecto de Carandiru. A exibição do filme serviu para sacar, do fundo do peito oprimido de parte da crítica e do público, um não rotundo contra as injustiças do sistema carcerário brasileiro. Por todos os veículos e esquinas, profissionais da comunicação e leigos unem-se em torno do discurso que realça o “filme necessário”, a “coragem de mostrar o Brasil dos excluídos”, o “espelho da realidade nacional”. Tudo isso sob os auspícios do casal de incluídos fashion que divulga aquele cartão de crédito que cobra juros nada éticos dos consumidores. Mas pulemos essa página. Não vivemos um bom tempo para criticar patrocinadores.



Era de se esperar a desconfiança de que quem leu o livro de Drauzio Varella desse panfletarismo unânime. Relato, seco, direto, clínico, Estação Carandiru denuncia pela constatação. Resume a visão de um médico dotado de profundo senso humanitário de um ambiente alijado de qualquer noção humanista. Varella não precisou “tomar” partido, “defender” um ponto de vista ou até mesmo usar de recursos grosseiros de linguagem para retratar o cotidiano de um microcosmo dos inúmeros problemas sociais brasileiros. Seu relato, como todo grande relato, deixa as conclusões em aberto e contenta-se, exclusivamente, em dividir com o leitor o testemunho da desumanidade latente nos presídios. Talvez seja a generosidade desse olhar que indique o caminho da salvação.



A filmagem de Estação Carandiru, portanto, tinha como grande desafio reconstruir, a partir dos mecanismos da ficção, a brutalidade do cárcere, a crueza do convívio e a enfermidade comum dos presidiários, vítimas potenciais não apenas da AIDS, razão principal da presença do doutor ali, mas de envolvimentos com drogas, icterícias, verminoses, hanseníase, lepstopirose e de tantos problemas psíquicos. Como mostrar essa violência visceral, riscada na pele e nos órgãos, sem manchar o rosto do ator global? Como adaptar a narrativa fragmentária de Varella, que permite a unidade dos personagens do livro, sem agredir os padrões convencionais da linguagem cinematográfica, que o cineasta Hector Babenco sempre dominou? Como fugir à idealização do preso como vítima ou algoz da sociedade? Carandiru, o filme, não responde a essas questões.



A escolha dos atores, rostos conhecidos, a grande maioria contaminada pela exposição global, é o primeiro de uma série de equívocos. Chega a ser surpreendente, que um diretor que tenha no seu currículo um filme como Pixote, em que o elenco é composto por faces da exclusão, não tenha percebido isso. Mais surpreendente é a postura respeitosa desse diretor diante de seus atores, deixando-os interpretar os personagens sem qualquer pulso, não contendo exageros gritantes e algumas vezes risíveis. Que dizer então do encadeamento narrativo? Carandiru se utiliza aleatoriamente de recursos como flash backs, narração em off e manifestações diretas para a câmera conseguindo o estranho fenômeno de não ser nem fragmentário nem linear. É apenas confuso ou óbvio, como resume aquela seqüência pessimamente explorada da visita de Rita Cadillac ao presídio.



Mas talvez a grande polêmica em torno de Carandiru esteja mesmo relacionada ao seu propósito de debater a violência do sistema carcerário. As manifestações exageradamente emocionais destacando que o filme denuncia, revela, incita reflexões e acima de tudo é “necessário” infelizmente não ecoam na tela. A impressão que se tem ali é de que Carandiru é um fato isolado, com início, meio e fim. Impressão esta reforçada no final lamentável, que se utiliza de imagens documentais da implosão do presídio. Como se não bastasse, a seqüência é embalada ao som de “Aquarela do Brasil”, numa combinação paupérrima de música e imagem. A implosão não só sugere um ponto final como também a existência de um processo em andamento, de que existe alguma iniciativa firme em termos de segurança pública sendo adotada no país (quando sabemos que, aí sim, a implosão do Carandiru foi um fato isolado, de notórias motivações políticas).



Mas viremos então mais essa página. Afinal, prometi não falar de patrocinadores. Assim como, me prometi, não falar de Cidade de Deus, oposição radical ao cinema velho (pronto, falei!).



Talvez a crítica, ao manifestar com tanta bravura sua indignação contra as injustiças sociais, esteja emprestando ao filme o tom que lhe faltava. Não deixa de ser um serviço nobre e admirável. Politicamente, correto; cinematograficamente, questionável.





# CARANDIRU

Brasil, 2003

Direção: HECTOR BABENCO

Roteiro: VICTOR NAVAS, FERNANDO BONASSI e HECTOR BABENCO

Produção: FABIANO GULLANE e FLÁVIO TAMBELLINI

Fotografia: WALTER CARVALHO

Montagem: MAURO ALICE

Direção de arte: CLÓVIS BUENO

Música: ANDRÉ ABUJAMRA

Elenco: LUIZ CARLOS VASCONCELOS, MILTON GONÇALVES, IVAN DE ALMEIDA, AILTON GRAÇA, GERO CAMILO, MARIA LUÍSA MENDONÇA, RODRIGO SANTORO

Duração: 146 min.

site: www.carandiru.com.br



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