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AMOR?

30.01.2013
Por Luiz Fernando Gallego
Uma visão mais pessoal ainda (aspectos subjetivos que os textos de crítica geralmente tentam eludir) sobre o mais recente filme de Michael Haneke, Amor, visto como exploitation pela descrição gráfica de aspectos sórdidos e mórbidos que podem fazer parte de muitas vidas.

Fui ver Amor, premiadíssimo filme do Michael Haneke, em pré-estreia bem cheia no Odeon, em um sábado à noite. Patricia Rebello (que escreveu o melhor texto que eu li sobre "A Fita Branca", do mesmo diretor deste filme (leia aqui), perguntou-me o que achei - e respondi:

Não odiei Amor como você (Patricia) me informou que Cahiers du Cinéma teria odiado (aliás, raramente tenho coincidido minhas opiniões e o que reza nos Cahiers). Mas questiono o cinema de crueldade exercitado - com brio - por Haneke, dentre outros como Lars VonTrier e, em certa medida, Tarantino e vários cineastas contemporâneos.

A expressão “cinema de crueldade” me veio à mente enquanto assistia Amor, a partir do título de uma coletânea de uns cinco ensaios, já antigos, de autoria do grande teórico e críticos francês, André Bazin. Nesta vertente ele incluiu Hitchcock, Buñuel e outros (talvez Fritz Lang, mas não lembro dos demais nomes). Hoje em dia, em vez de “cruéis”, consideraríamos quase todos verdadeiros "santos" – exceto Hitchcock, é claro - na comparação de suas obras com o que Haneke faz desde seu primeiro filme para cinema (O Sétimo Continente), que também me veio à lembrança, por ter alguns pontos em comum com Amour. Posso citar alguns como a ambientação quase toda em interiores (uma residência) e um desfecho com certa analogia ao de Amor.

Vejo Haneke (e Trier) como autores mais perversos do que corajosos ou “ousados" na escolha que fazem de temas inabituais e situações insólitas - com a ressalva de que, às vezes, conseguem colocar a fascinação pela perversão a serviço de uma proposta mais abrangente, com o viés perverso passando por uma certa sublimação: Ondas do Destino e seu “milagre” final, no caso de Trier; e na obra de Haneke, Caché, com a abordagem do medo e da xenofobia, e Fita Branca, com a proposta do mal iniludível e insidioso.

Entretanto, na maior parte de seus filmes, Haneke parece que apenas se compraz na exploração de situações de perversão sexual sado-masoquista - no caso de Professora de Piano - ou na exposição de perversão/perversidade sádica nas duas (!) versões quase idênticas de Violência Gratuita - um caso de título mais do que adequado.

Nenhum tema é interditado, é claro; e a vida, a velhice e a doença podem ser ainda mais cruéis do que o que o diretor mostra em Amor, no qual reencontro o mesmo prazer perverso de seus outros filmes ("perverso" nos dois sentidos do termo), ao justapor a elegância (inicial) de uma velhice amena de um casal, provavelmente abonado e muito ligado à grande música, com a decrepitude que pode nos atingir direta ou indiretamente.

Para quem, como eu, passou boa parte da vida trabalhando em hospitais, a convivência com a decadência física não choca por ser uma “novidade”, mas pelo ar deexploitation que o filme transmite graficamente, em detalhes mórbidos. Posso admitir a hipótese de que minha vida profissional anterior seria, talvez, uma questão interferente na interação intersubjetiva que estabelecemos, o filme comigo/eu com o filme. Mas o que eu via me parecia como se Haneke, mais uma vez, "esfregasse na cara" dos espectadores os detalhes mais demasiadamente humanos de como pode ser dura a vida, como se o que se vê fosse algo des-humano – e não é, faz parte da vida, ainda que indesejável. Muitas pessoas já acompanharam, como eu, outras que adoeceram e se foram em meio a sofrimentos e decadência. Cabe lembrar A Morte de Ivan Ílitch, de Tolstoi. À medida em que a vida avança, mais perdas em mortes lentas se somam e vamos convivendo com maior ou menor proximidade dos aspectos mais sórdidos das moléstias que caminham rumo a um amargo fim.

Não vejo grandeza alguma na proposta dramatúrgica do filme que anuncia no prólogo o que já aconteceu, restando-nos saber, em um flashback que é praticamente o filme todo, quando vai acontecer, uma espécie de suspense à Hitchcock (o perigo anunciado para o espectador, mas não para os personagens) que permeia quase toda a projeção de mais de 120 minutos. Tudo prossegue em passos cuidadosamente medidos que Haneke habilmente nos faz avançar, mantendo nossa atenção cuidadosamente todo o tempo, mesmo com quase que apenas dois atores (e que atores!), praticamente confinados naquele enorme apartamento de Paris - no qual nós todos quereríamos morar, viver e... morrer? Como Trier, Haneke coloca seu evidente talento na narrativa cinematográfica a serviço de frequentes "sucessos de escândalo", mais do que efetivando, aos meus olhos, grandes obras em si mesmas.

Só não posso deixar de comentar que, sem nenhum desdouro para o desempenho tão elogiado de Emanuelle Riva, atriz que amo desde Hiroshima, meu amor (este sim, foi um escândalo pela mescla de casos de amor entre uma francesa e homens de nacionalidade “inimiga” durante e no pós-II Guerra, sem deixar de ser uma das maiores obras de arte – e não só do cinema - de todos os tempos), quem carrega o fardo da situação da personagem dela (e o filme) nas costas é Jean-Louis Trintignant: para ele eu daria todos os Oscars e Palmas de Ouro. Para o filme, não.

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