Críticas


DESMUNDO

19.06.2003
Por Marcelo Janot
DESMUNDO



DE: Alain Fresnot

PARA: Maria Sílvia Camargo



Nenhuma lingua indígena é traduzida no filme, contrariamente à informação que você dá em sua crítica. O presuposto era o de deixar o público entender apenas o que Oribela compreendia. Quanto ao fato de no livro Oribela deixar que lhe chupem os seios, não considerei isso relevante, duzentos aspectos do livro foram abandonados, outros acrescentados. Isto é natural quando se adapta um livro para o cinema. Tenho sentido por parte de algumas críticas mulheres, uma má vontade por ser homem e tratar de um tema feminino, como se isto fosse uma espécie de invasão, de tabu. A grande cineasta italiana Lina Vertmuller trata as personagens masculinas com muita profundidade e respeito, porque nós não podemos fazer o mesmo?

Abraço, Alain Fresnot



Maria Sílvia Camargo responde:



Prezado Fresnot:

Obrigada pela sua carta, acho esta troca importante. Realmente quando escrevi que (...) "Os índios falam pelo menos três línguas diferentes entre si, algumas delas traduzidas para o público, outras não"(...) por causa da palavra traduzir posso ter dado a entender que todas as línguas indígenas estavam vertidas para o espectador. Mas eu saquei (um pouco depois do filme terminado) que não era isto, até porque algumas vezes o público não tinha legendas para saber o que estava sendo dito. Cheguei à conclusão de que era para termos o ponto de vista da protagonista mesmo. Talvez pudesse ter explicado melhor, mas achei mais importante valorizar este trabalho precioso que o filme faz, realçando o clima de estranhamento - enfim, tudo que escrevi.

Agora, quanto à segunda parte da sua carta, acho que você leu o que quis. Afinal eu cito um trecho do livro da Ana Miranda ao final de um parágrafo inteiro fazendo observações à sua direção de ator ("Ambos careciam de uma direção mais firme, basta ver como renderam em outros filmes. Alain Fresnot apostou muito no físico de Simone", etc. etc.). E o que digo imediatamente antes de citar o trecho do livro é que a personagem "teria outro impacto bem maior se Fresnot não tivesse enxugado um pouco da paixão de Oribela". Ora, com "enxugar um pouco da paixão" eu não quis dizer que queria que você tivesse colocado a protagonista em cena dado o seio aos índios. Isto é uma redução grosseira. A Oribela do livro é atravessada pelo impacto dos trópicos de uma maneira radical. A do filme também, mas por Desmundo ser um filme e não o livro, por você ser o diretor que é, por ter tido que optar, por dirigir atores como você dirige, a Oribela do filme está enxuta, light. Gosto da sua e gosto do filme, mas adoro o livro. Acredite, entendo a diferença entre os dois meios. Foi este meu trabalho final de faculdade (há 20 anos) e de mestrado. Falei nisto quando critiquei seu filme Ed Mort, baseado em Veríssimo (em 1997 na revista Veja Rio) e ainda outras vezes, quando comentei outros filmes inspirados em livros, como Lavoura Arcaica, de Luiz Fernando Carvalho.

Quanto à questão de ter "uma má vontade" com você por você ser homem e "tratar de um tema feminino" , acho que v. preferiu interpretar assim do que ler minhas críticas à sua direção de ator, coisa mais difícil de ser ouvida. Em tempo: considero que os que melhor expressaram a condição feminina foram os homens - Chico Buarque, Mauro Rasi, Picasso, François Truffaut...Ah! Também nunca queimei um único sutiã.

Com um abraço, Maria Silvia Camargo



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