Conto de Inverno (Conte d’Hiver) faz parte do projeto das quatro estações de Eric Rohmer , o ex-crítico e controvertido diretor francês. A história, como geralmente acontece nos filmes de Rohmer, é enganosamente simples. Felicie (Charlotte Véry) mora em Paris com sua mãe e uma filha. É inverno e ela está mantendo um relacionamento duplo com o intelectual Loic (Hervé Furic) e o cabeleireiro Maxence (Michael Voletti), mas não consegue se comprometer com nenhum dos dois. Na verdade, ela não consegue esquecer o romance que teve com Charles (Frederik Van Den Driessche) há cinco anos durante um verão. Em suas fantasias, imagina o que poderia ter acontecido entre eles se não tivessem perdido o contato por uma confusão de endereços: ela havia dado seu endereço, ele não, porque sua profissão o obrigava a estar sempre se mudando. Um erro (in?)consciente dela ao escrever o nome da cidade causa o desencontro.
Com Charles, ela havia conhecido o amor de sua vida e vive esperando que um dia ele volte. Ela jamais conseguirá amar alguém como amou Charles. “Charles reaparecer não é o mais importante; ele continua aparecendo no meu coração”, diz Felicie para um dos seus namorados. Rohmer também não está preocupado em conduzir a história para um desfecho onde ela o reencontre ou não. Cuidadosa e lentamente, como é do seu estilo, ele vai mostrando o relacionamento de Felicie com Loic e Maxence, com a família, com a filha e, paralelamente, a ambigüidade que domina a sua vida , os conflitos, a razão das escolhas e, acima de tudo, evidenciando a complexidade de temas aparentemente simples, como o de escolher um lugar para morar.
Este capítulo dos quatro “contos das estações” de Rohmer é igualmente um filme sobre o amor nos seus diversos significados , nas várias formas e maneiras de sentir: na paixão, na amizade, no companheirismo. Mas como nos demais filmes dele, são também incluídas discussões filosóficas sobre a religião, o significado da vida e a existência ou não da alma e sua eternidade. De quebra, há um trecho de uma encenação teatral do homônimo Conto de Inverno, de Shakespeare, adequadamente inserido como um dos elementos destinados a resolver o problema de Felicie e suas contradições. Na verdade, o alvo principal dos filmes de Rohmer parece estar sempre na moral da história, como numa fábula grega, e nada de muito dramático acontece. Nos dias de hoje, com a infantilização (alguns mais radicais diriam a imbecilização) desenfreada do cinema - americano, esclareça-se - e a estética da violência gráfica, assistir a um filme como Conto de Inverno é quase um refrigério.
O roteiro rohmeriano, tipicamente, traz personagens que poderiam ser qualquer um de nós vivendo qualquer uma daquelas situações. As ações e sentimentos quase comuns do dia a dia parecem ser o pano de fundo deste e dos seus demais filmes : as pessoas conversam, amam, discordam, sofrem as suas derrotas ou recebem as suas vitórias de uma forma contida, natural e civilizada . Seus filmes são focados nas pessoas, mais do que nos temas. Ele extrai beleza da vida dos seus personagens, das situações, das locações simples, das coisas que compõem a vida das pessoas, onde qualquer um de nós pode se identificar. Os dilemas éticos do cotidiano parecem ser a grande preocupação desse cineasta às vezes difícil, a ponto de que assistir a seus filmes já tenha sido definido (por críticos americanos, sobretudo) como uma chatice e como “ver a tinta secar ou a grama crescer”. Pode ser. Mas também é sair do cinema com um “gosto da história” que por muito tempo permanece ativo, como o bom vinho que acompanhou um prato delicado.
# CONTO DE INVERNO (CONTE D’HIVER)
França, 1992
Direção e Roteiro: ERIC ROHMER
Produção: MARGARET MÉNÉGOZ
Fotografia: LUC PAGÈS
Montagem: MARY STEPHEN
Música: SEBASTIEN ERMS
Elenco: CHARLOTTE VÉRY, HERVÉ FURIC, MICHAEL VOLETTI, FREDERIK VAN DEN DRIESSCHE
Duração: 114 min.