Críticas


CONTO DE INVERNO

De: ERIC ROHMER
Com: CHARLOTTE VÉRY, HERVÉ FURIC, MICHAEL VOLETTI, FREDERIK VAN DEN DRIESSCHE
23.06.2003
Por Carlos Brandão
CINEMA DOS DILEMAS ÉTICOS DO COTIDIANO

Conto de Inverno (Conte d’Hiver) faz parte do projeto das quatro estações de Eric Rohmer , o ex-crítico e controvertido diretor francês. A história, como geralmente acontece nos filmes de Rohmer, é enganosamente simples. Felicie (Charlotte Véry) mora em Paris com sua mãe e uma filha. É inverno e ela está mantendo um relacionamento duplo com o intelectual Loic (Hervé Furic) e o cabeleireiro Maxence (Michael Voletti), mas não consegue se comprometer com nenhum dos dois. Na verdade, ela não consegue esquecer o romance que teve com Charles (Frederik Van Den Driessche) há cinco anos durante um verão. Em suas fantasias, imagina o que poderia ter acontecido entre eles se não tivessem perdido o contato por uma confusão de endereços: ela havia dado seu endereço, ele não, porque sua profissão o obrigava a estar sempre se mudando. Um erro (in?)consciente dela ao escrever o nome da cidade causa o desencontro.



Com Charles, ela havia conhecido o amor de sua vida e vive esperando que um dia ele volte. Ela jamais conseguirá amar alguém como amou Charles. “Charles reaparecer não é o mais importante; ele continua aparecendo no meu coração”, diz Felicie para um dos seus namorados. Rohmer também não está preocupado em conduzir a história para um desfecho onde ela o reencontre ou não. Cuidadosa e lentamente, como é do seu estilo, ele vai mostrando o relacionamento de Felicie com Loic e Maxence, com a família, com a filha e, paralelamente, a ambigüidade que domina a sua vida , os conflitos, a razão das escolhas e, acima de tudo, evidenciando a complexidade de temas aparentemente simples, como o de escolher um lugar para morar.



Este capítulo dos quatro “contos das estações” de Rohmer é igualmente um filme sobre o amor nos seus diversos significados , nas várias formas e maneiras de sentir: na paixão, na amizade, no companheirismo. Mas como nos demais filmes dele, são também incluídas discussões filosóficas sobre a religião, o significado da vida e a existência ou não da alma e sua eternidade. De quebra, há um trecho de uma encenação teatral do homônimo Conto de Inverno, de Shakespeare, adequadamente inserido como um dos elementos destinados a resolver o problema de Felicie e suas contradições. Na verdade, o alvo principal dos filmes de Rohmer parece estar sempre na moral da história, como numa fábula grega, e nada de muito dramático acontece. Nos dias de hoje, com a infantilização (alguns mais radicais diriam a imbecilização) desenfreada do cinema - americano, esclareça-se - e a estética da violência gráfica, assistir a um filme como Conto de Inverno é quase um refrigério.



O roteiro rohmeriano, tipicamente, traz personagens que poderiam ser qualquer um de nós vivendo qualquer uma daquelas situações. As ações e sentimentos quase comuns do dia a dia parecem ser o pano de fundo deste e dos seus demais filmes : as pessoas conversam, amam, discordam, sofrem as suas derrotas ou recebem as suas vitórias de uma forma contida, natural e civilizada . Seus filmes são focados nas pessoas, mais do que nos temas. Ele extrai beleza da vida dos seus personagens, das situações, das locações simples, das coisas que compõem a vida das pessoas, onde qualquer um de nós pode se identificar. Os dilemas éticos do cotidiano parecem ser a grande preocupação desse cineasta às vezes difícil, a ponto de que assistir a seus filmes já tenha sido definido (por críticos americanos, sobretudo) como uma chatice e como “ver a tinta secar ou a grama crescer”. Pode ser. Mas também é sair do cinema com um “gosto da história” que por muito tempo permanece ativo, como o bom vinho que acompanhou um prato delicado.



# CONTO DE INVERNO (CONTE D’HIVER)

França, 1992

Direção e Roteiro: ERIC ROHMER

Produção: MARGARET MÉNÉGOZ

Fotografia: LUC PAGÈS

Montagem: MARY STEPHEN

Música: SEBASTIEN ERMS

Elenco: CHARLOTTE VÉRY, HERVÉ FURIC, MICHAEL VOLETTI, FREDERIK VAN DEN DRIESSCHE

Duração: 114 min.

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