Críticas


POR UM FIO

De: JOEL SCHUMACHER
Com: COLIN FARRELL, FOREST WHITAKER, KATIE HOLMES, RADHA MITCHELL
23.06.2003
Por João Mattos
BATALHA ENTRE DOIS HOMENS

Uma apreciação do suspense Por um Fio passa por questões referentes ao roteiro e à direção de um filme. A mais inteligente definição do significado e validade de um roteiro para o que é o filme como resultado final talvez seja a do grande roteirista francês Jean-Claude Carrière, que colaborou com diretores da importância de um Luis Buñuel (em alguns de seus filmes mais importantes), escreveu roteiros originais e adaptou obras literárias famosas (como um dos livros de Em Busca do Tempo Perdido e A Insustentável Leveza do Ser). Numa frase ao qual me foge a formulação exata, ele compara o roteiro a um casulo de lagarta em relação ao que ela será no final, a borboleta. Carrière está dizendo que o bom roteiro é uma sugestão para o que filme pode ser, mas não há garantias do que ele será exatamente, por melhor ou pior que ele seja.



Com seus enxutos 81 minutos mostrando o relações-públicas de artistas (ou candidatos a famosos) Stu (Colin Farrell) acuado numa cabine de telefone em Nova York por um maluco que começa a contar segredos da vida do cara enquanto aponta uma arma para ele, Por um Fio tem interesse sobretudo como uma espécie de batalha entre um roteirista e um diretor. O roteirista do filme é Larry Cohen, o diretor é Joel Schumacher. Cohen é diretor e roteirista sediado no cinema B, transitando por produções de filmes de gênero (terror, suspense, biografias políticas) que conquistaram aos poucos uma sólida reputação dentro do esquema de apreciação de alguns artistas do cinema B no que eles têm de melhor: uma energia bruta, visceral, raçuda, intelectualmente não pretensiosa, mas que muitas vezes produz idéias inteligentes muito mais pertinentes do que filmes de arte. Cohen com certeza não é o gênio secreto e não reconhecido que muitos de seus fãs acham que ele é, mas em Nasce um Monstro, A Coisa, Especiais Efeitos, A Ambulância, FBI-Arquivo Secreto, entre outras fitas, há muitas coisas interessantes (há muitos obras deles disponíveis em VHS).



Já Schumacher, ex-coreógrafo, é um artesão hollywoodiano de produções A, daqueles que também transitam por vários gêneros e subgêneros (suspense, policial, comédias românticas, melodramas, filme de tribunal, aventura, e até ficção científica cômica), sem uma unidade estilística ou temática forte (embora alguns temas se repitam), pelo menos uma que até hoje alguém tenha se preocupado em sistematizar e analisar com cuidado. Não há nenhum problema nessa falta de unidade, e sim na ruindade e idiotice de muito do que Schumacher tem feito de uns anos para cá (além de bobagens pregressas como Tudo por Amor e Tempo de Matar), como os horrorosos dois últimos filmes da série Batman, o sensacionalista e burro 8MM, e o recente Má Companhia, candidato a mais cretino filme do subgênero dupla que não se dá bem trabalha em investigação de crime das últimas décadas.



O diretor fez coisas razoáveis (O Primeiro Ano do Resto de Nossas Vidas, Ninguém É Perfeito, Tigerland - fita que lançou Colin Farell) e uma ótima diversão (Garotos Perdidos), só que o cômputo geral, e para usar um termo suave, revela uma carreira sem muita relevância. Há motivos de sobra para que o estômago fique embrulhado quando se pensa no provável resultado do próximo projeto do diretor: a adaptação do musical O Fantasma da Ópera, de Andrew Lloyd Weber.



O encontro desses dois homens resulta num filme irregular. Claro, são poucas as pessoas planeta afora que terão conseguido ler o roteiro original de Cohen, mas o que podemos fazer, não só nesse mas em qualquer outra apreciação cinematográfica, e como um exercício de abstratação para lá de estimulante, é tentar imaginar as imagens escritas no papel e verificar sua força à luz delas mesmo, da validade de seu resultado final, da realização pronta.



O que há de melhor em Por um Fio é um argumento forte e muito interessante, unidades de espaço e tempo bem definidas e que justamente pela restrição desses dois dados pedem que a direção busque uma certa criatividade, e uma acertada polifonia de significados para as motivações da ação do psicopata. Ainda há um certo ar televisivo no melhor sentido: o começo com a voz em off situando e apresentando a ação, e o tipo de final (surpresa, só que até previsível) sugerem influências da tipologia dramática de séries lendárias como Cidade Nua, Além da Imaginação e Suspense (aquela apresentada e às vezes dirigida por Alfred Hitchcock).



Essas coisas vêm de Cohen, bem como a possibilidade de que sejam tratados dentro das limitações de tempo, entre outras coisas, e do próprio ter que dar conta de uma trama de suspense, de uma série de temas a partir desse ponto dessa base; todos esses temas referentes à loucuras da urbe, isto é, o que de pior pode haver numa megalópole (como Nova York onde a trama se passa, e o estúdio em Los Angeles ela foi rodada), como a paranóia, a solidão, a falta de comunicalibidade real entre as pessoas, o jogo de aparências nas relações humanas e profissionais, etc.



Pena que a articulação imagética, a encenação efetiva de Schumacher do drama em jogo, o filme puro e simples, está longe da incompetência, porém mostra as limitações habituais do diretor: correção técnica sem brilho, falta de pujança no contar bem a história, e simplificação dramático-humana dos conflitos, ou melhor um adoçicamento geral de todos os temas fortes sugeridos (embora tudo isso não ocorra com a radicalidade que aconteceu em outros filmes de Schumacher como Linha Mortal e Um Dia de Fúria, outro filme sobre desvarios urbanos).



O diretor parece ter um medo excessivo de, mesmo com uma duração tão pequena de metragem, chatear a platéia, e por isso acaba diluindo por demais a tensão com planos e movimentos de câmera que buscam uma agitação desnecessária, não dão espaço para que uma tensão plena, uma angústia real, se estabeleça para que o espectador compartilhe ou observe com interesse o sofrimento pelo qual passa Stu, tanto pela situação de momento como pelas feridas psicológicas que deverão marcá-lo para sempre. Isto acontece sobretudo nos momentos em que o psicopata mantém perto da cabine a mulher de Stu (Radha Mitchell) e uma cliente artística que o cara paquera (Katie Holmes).



Que fique claro que Por um Fio não é um lixo, nem merece desprezo, no final de tudo é até corretozinho, ou melhor funcional, passável, mas não é a obra que poderia ser levando em conta a riqueza do argumento. Dá para imaginar o que o próprio Larry Cohen faria dirigindo roteiro de Por um Fio, e ainda mais o que faria (olhe aí de novo) Alfred Hitchock, a quem Cohen procurou com a idéia básica do filme décadas atrás (o projeto acabou não indo para frente).



No elenco, Colin Farrell consegue de novo mostrar aquele vigor carismático de galã durão, mas já que ainda não conseguiu um grande papel (em termos de densidade dramática) fica devendo ainda uma grande atuação completa; Forest Whitaker como o polical que negocia com Stu (quando acham que ele matou um sujeito que o tentava tirar da cabine) está eficiente, e as duas mulheres não têm muito o que fazer. Sobra a atuação realmente boa do filme, que é a da voz de Kiefer Shuterland (que trabalhara com Schumacher em Garotos Perdidos e Linha Mortal) num trabalho bem interessante, como o psicopata que atormenta Stu. A voz de Kiefer substituí (além disso foi preciso rodar de novo uma certa cena) a de Ron Eldard, em cartaz no Rio de Janeiro com Foi Só um Beijo. Schumacher e os produtores não gostaram do resultado com Eldard e refizeram tudo com Kiefer.



# POR UM FIO (PHONE BOOTH)

EUA, 2003

Direção: JOEL SCHUMACHER

Roteiro: LARRY COHEN

Produção: ELI RICHBOURG, DAVID ZUCKER.

Fotografia: MATTHEW LIBATIQUE

Montagem: MARK STEVENS

Música: HARRY GREGSON WILLIAMS

Elenco: COLIN FARRELL, FOREST WHITAKER, KATIE HOLMES, RADHA MITCHELL, KIEFER SHUTERLAND.

Duração: 81 min

site: www.phoneboothmovie.com/index2.html

Voltar
Compartilhe
Deixe seu comentário